Por Dulce Tupy
A viúva do “Cavaleiro da Esperança” Luiz Carlos Prestes, Dona Maria Prestes, mora na Gávea, no Rio, mas é em Saquarema, na Manitiba, no limite da Avenida Litorânea, em Barra Nova, com Jaconé, que ela descansa, quando não está viajando. Cercada pelo carinho dos filhos e netos, é aqui que ela vem recarregar as baterias, perto do imenso mar de Saquarema ou no jardim, onde cultiva flores, temperos e ervas. Essa Maria, mais rural do que urbana, poucos conhecem; só os parentes e amigos mais próximos. É a mulher guerreira, a militante de esquerda, que a maioria admira, forjada nas lutas clandestinas das quais participou no antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), sempre ao lado do companheiro Luiz Carlos Prestes, líder da célebre Coluna Prestes e ex-senador da republica, com quem conviveu durante 40 anos e com o qual criou 9 filhos.
Dedicada aos movimentos sociais, desde a juventude, Maria, filha e neta de militantes comunistas, apoiou greves, organizou protestos, panfletagens, passeatas e comícios, divulgou livros e jornais. Forçada a abandonar o Nordeste de sua família, por suas atividades políticas, foi para São Paulo, onde passou a viver na ilegalidade, ao lado de Prestes, encobrindo suas verdadeiras identidades. Secretário geral do PCB, perseguido pela polícia, Prestes tinha que viver no esconderijo, com normas de segurança rígidas, que Maria cumpriu rigorosamente. Mas foi a partir desse encontro que Maria e Prestes se entrelaçaram definitivamente, formando uma grande família, com os filhos Pedro, Paulo, João, Rosa, Ermelinda, Luiz Carlos, Mariana, Zóia e Yuri, além de Anita, filha do primeiro casamento de Prestes com a militante comunista alemã, Olga Benário.
Hoje, com 25 netos e 9 bisnetos, Maria é uma árvore frondosa, com raízes e galhos fortes, que envolve não só a família, mas também amigos, companheiros, parentes, militantes, admiradores, vizinhos e fãs que buscam na sua trajetória de vida um exemplo para continuar lutando.
Aos 80 anos de idade, Maria foi homenageada por todos os deputados estaduais na Assembleia Legislativa, com a Medalha Tiradentes, a maior honraria da casa. Maria também será homenageada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM), órgão vinculado à Secretaria de Promoção Social, do Estado do Rio de Janeiro, com um documentário sobre sua vida. O filme faz parte do projeto Memória Viva, do CEDIM, que já documentou a vida de personalidades femininas como a jornalista Miriam Leitão, a cantora e atriz Zezé Mota e a escritora feminista Rose Marie Muraro.
Pernambucana, filha de camponeses, Maria conheceu Prestes quando veio para o Sul, no dia 4 de dezembro de 1952, dia de Santa Bárbara, como ela mesma registrou num dos capítulos do seu livro “40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes” (Editora Rocco, 1993). Lançado na Câmara Municipal de Saquarema, presidida pelo então vereador Zezinho Amorim, em 1997, num evento promovido pelo repórter fotográfico e jornalista Edimilson Soares, na época presidente da Federação das Associações de Moradores e Amigos de Saquarema (FAMOSA), o livro de Maria Prestes se encontra esgotado e em fase de reedição.
Maria é uma das grandes protagonistas brasileiras, ao lado da advogada Maria Werneck, autora do livro “Sala 4, Primeira Prisão Política Feminina” e Beatriz Bandeira Ryff, autora de “A Resistência, Anotações do Exílio em Belgrado”, entre outras militantes notáveis, médicas, professoras, operárias, funcionárias públicas, enfermeiras, advogadas, domésticas, comerciárias, engenheiras, donas de casa e estudantes que contribuíram para a reconstrução da democracia no Brasil.
Recentemente, Maria teve uma atuação decisiva no episódio que trouxe o arquivo soviético de Luiz Carlos Prestes para o Brasil. Graças a ela, que coordenou uma mobilização ativa de intelectuais, diplomatas e até presidentes (tanto do Brasil como da Rússia), hoje os inúmeros documentos de Prestes, principalmente os que se referem ao período do exílio, estão preservados no Arquivo Nacional, com acesso garantido aos pesquisadores em geral, historiadores e cientistas sociais.
Em sua casa de Saquarema, Maria nem parece a mulher política que é, a guerreira de ontem e sempre. É apenas Maria, caminhando entre coqueiros e bananeiras. Com seus profundos olhos verdes, observa os mínimos detalhes de cada folha que brota. Se alguém chega, ela convida para um cafezinho… É Maria, dona de casa, mãe, cidadã, mulher comum, que surge. Pura emoção popular, revelada no gosto pelas cores fortes que imprimiu na decoração da casa, nas cortinas da sala e nas paredes coloridas que construiu para viver apenas como Maria.
Matéria publicada na edição de janeiro de 2011 do jornal O Saquá (edição 129)
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