A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em não permitir retroatividade às eleições de 2010 da Lei da Ficha Limpa, referendando candidaturas de políticos já condenados como corruptos, compradores de votos, homicidas, milicianos etc. foi uma potente ducha de água fria na cidadania. O STF poderia ter feito uma limpeza na política brasileira pelas sólidas justificativas que a Lei da Ficha Limpa dispõe para produzir efeitos imediatos. Infelizmente, o desempate no julgamento do STF resultou em frustração porque acabou prevalecendo o entendimento de que pesa mais o artigo 16 da Constituição, segundo o qual não tem validade qualquer alteração em normas eleitorais aprovadas a menos de um ano da data da eleição, do que o artigo 14, no qual, entre as pré-condições para o registro de candidaturas, listam-se a “moralidade pública” e a “vida pregressa” do aspirante a um cargo eletivo.
Aí surgiu a sensação de que o STF decidiu como se a Constituição estabelecesse que até 2010 podia ser corrupto, o que não pode é continuar corrupto em 2011. Depois de classificar a Lei da Ficha Limpa como “um dos mais belos espetáculos democráticos, instrumento purificação do mundo político”, o ministro Luiz Fux teve sua alegação, levantada no voto do desempate, de que é preciso garantir estabilidade às regras eleitorais, não permitindo que governantes alterem as leis para se beneficiarem, ficando prolongadamente no poder, rebatida por cinco ministros que colocaram a moralidade política acima dessa tecnicalidade constitucional. Além de que o pretendido com a Lei da Ficha Limpa não é obstruir a perpetuação no poder, hoje estimulada através da reeleição, mas sim a moralização da vida pública. Ao contrário, o que a decisão do Supremo ofereceu foi uma sobrevida política para figuras absolutamente desprovidas de ética. No momento, é imperioso patrulhar a intocabilidade da Lei da Ficha Limpa. Não apenas a Justiça, impedindo um retrocesso no que já está sacramentado, como também evitar-se a desmobilização do movimento popular pela ética política.
Há ministros do STF, como o que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, admitindo que a Lei da Ficha Limpa poderá ser perigosamente questionada para as eleições de 2012 devido a artigos polêmicos, em função de viciadas filigranas jurídicas. Os políticos não costumam apenas ser assessorados por competentes bancas de advocacia, mas também exibem uma enorme capacidade para driblar leis. Um bom exemplo disso agora é a acrobacia do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab e seu grupo, articulando a criação de um novo partido, o PSD, para abandonarem o DEM e outras legendas, escapulindo do alcance da lei sobre fidelidade partidária. Tamanha capacidade para driblar deverá estar a serviço das tentativas para o desmonte da Lei da Ficha Limpa até as eleições de 2012. Para o juiz Márlon Reis, integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Lei da Ficha Limpa tem que carimbar nitidamente o pleito de 2012, até pelo fato de tratar-se de eleição municipal, a que reúne mais candidatos com ficha suja.
Artigo publicado na edição de abril de 2011 do jornal O Saquá (edição 132)