Mesmo considerada por muitos uma cassação anunciada, pelo fato da perda do mandato já ter sido respaldada por unanimidade no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça, a prudência recomendava um mínimo de incerteza pela dependência da votação em plenário no Senado, pois nunca se consegue avaliar bem do que são capazes o corporativismo e o compadrio reinantes no Congresso Nacional. Mas, afinal, não deu para segurar o senador porque, ao representar o esquema criminoso de um contraventor no Congresso, num dos casos mais graves da vida pública brasileira de infiltração do crime organizado no Estado, Demóstenes, enquanto interpretava para o grande público o papel de paladino da moralidade e terror dos corruptos, como relator do projeto da ficha limpa, acabou ultrapassando os limites, estraçalhando sua imagem em poucos dias de gravações reveladoras. Como disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), “de todos os crimes de Demóstenes, o pior foi que ele conseguiu desmoralizar a probidade.”
Demóstenes foi cassado por 56 votos, 15 a mais que os necessários, mas, mesmo assim, não se pode desconsiderar os 19 votos a seu favor e os 5 senadores que se abstiveram, mostrando estarem envergonhados por ficarem do lado de Demóstenes. A cassação não foi apenas o cumprimento de uma obrigação dolorosa para alguns, mas também a oportunidade de muitos se vingarem de um falso moralismo. Contudo, não devolverá ao Congresso, em toda a plenitude, a respeitabilidade perdida em conhecidas manobras corporativas e quando, claramente, não está defendendo conceitos, programas ou teses, mas interesses classistas ou medidas populistas em troca de benesses palacianas. Por outro lado, é justo reconhecer que houve progresso na sessão que tirou o mandato de Demóstenes, transmitida ao vivo pela TV Senado e aberta ao público nas galerias, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, em 2007, quando o senador Renan Calheiros foi absolvido numa votação apertada por 40 a 35 com 6 abstenções. Naquela ocasião, em decisão arbitrária, a presidência do Senado usou o fato da votação ser secreta para fechar a sessão ao acompanhamento por parte da opinião pública.
Ao retirar o mandato de Demóstenes, queiram ou não, o Senado considerou válidas as acusações que justificaram a instalação da CPI. Pelo menos aparentemente flutua no Senado o entendimento de que os limites da imoralidade começam a ser atingidas, permitindo que o Congresso, como um todo, possa deixar de ser tão mal visto. Além de decisão justa exigida pela opinião pública, a cassação representa apenas um primeiro e tímido passo do Congresso na busca da credibilidade perdida. Porém, os maus fluídos ainda ameaçam a Casa porque sai Demóstenes e entra o suplente (sem voto) Wilder Morais, empresário e ex-marido da atual mulher de Cachoeira, dono de um patrimônio de 14,4 milhões de reais e que omitiu dois shoppings na declaração de bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pelo jeito, a cachoeira goiana poderá voltar a encharcar a agenda ética do Congresso.