Ao arquivar sumariamente as denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney, o Conselho de Ética daquela Casa Legislativa afrontou a sociedade brasileira. Uma decisão que reacende a sensação de que a impunidade no Legislativo brasileiro é algo regimental. Todos se lembram que, em episódios recentes, políticos flagrados em delito escaparam da punição, a cassação, simplesmente renunciando ao mandato. Desta vez, sequer houve a análise das provas para instalar a apuração da verdade. Pior em tudo isso é a conduta de um Conselho de Ética da mais importante Casa Legislativa do país ter sido imposta pelo poder público da presidência da República.
Por ordem do Planalto, os senadores petistas Ideli Salvatti, Delcídio Amaral e João Pedro encabulados, declararam, em voz quase inaudível, o “não” que sepultou as investigações contra Sarney. O líder do PT, senador Aluízio Mercadante, recusou-se a ler a carta do presidente do PT, Ricardo Berzoini, que passava um carão público na bancada petista, desautorizando a orientação do líder para votar em favo das investigações sobre as denúncias contra Sarney. Aí, Mercadante anunciou sua renúncia ao cargo de líder do PT no Senado, em caráter irrevogável. No mesmo dia desta indecência explícita do lulismo, a senadora Marina Silva anunciava sua saída do PT, após 30 anos de militância e o senador Flávio Arns sinalizava o mesmo destino co um protesto: “O PT jogou a ética no lixo. Eu me envergonho de estar no PT”. O desabafo de Arns reflete o conflito de mais uma vítima petista que está sendo esmagada pelo trator do lulismo. Na época do mensalão, muitos petistas já não suportavam o rolo compressor do lulismo e se reagruparam fundando o PSOL.
Depois de anunciar na véspera que renunciaria, “em caráter irrevogável” à liderança do PT no Senado, Aloízio Mercadante, abatido e envergonhado, subiu à tribuna para renunciar à renúncia e ler a carta que Lula lhe enviou, afirmando que o considera “imprescindível na liderança, apesar de tê-lo desautorizado a conduzir a bancada no Conselho de Ética sobre Sarney.
Este episódio marcante, mercante, nunca “merca dantes” visto neste país, na relação entre um governo e seu líder no parlamento, veio agravar o inferno astral que já rondava o PT, partido que, diferente de Mercadante, renunciou, em caráter irrevogável, pra valer, ao seu compromisso com a ética na política, tornando-se nada mais que uma sublegenda do lulismo.
E ex-petistas de carteirinha a sociólogos, historiadores e cientistas políticos, o raciocínio recorrente quando analisada a atual crise que atinge o PT é o de que a ética deu lugar à conveniência. Ou seja, os fins justificam os meios. E acreditam que as recentes deserções dos senadores Marina Silva e Flávio Arns são apenas os primeiros reflexos da “degradação do partido”. O sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, que abandonou a legenda em 2003, é taxativo: “O PT está sendo despedaçado por Lula”. Já o ex-deputado federal, Plínio de Arruda Sampaio, um dos principais nomes do PT até 2005, quando foi para o PSOL, indaga: “O PT se criou lutando contra Sarney, onde estão a ética e a coerência?”.
Lula rechaça a possibilidade de novas perdas de integrantes da bancada petista. Até pode ser que o chefe supremo do lulismo tenha razão. Afinal, suas moedas de troca são valiosas (vide a renúncia da renúncia de Mercadante) e, pior, há figuras no partido que nunca tiveram ética, mas sempre se camuflam na legenda (os mensaleiros são exemplos) que antes de chegar ao poder se autoproclamava praticante na política do puritanismo angelical. Aliás, foi nessa época que Lula afirmou existirem na Câmara 300 picaretas. Imagine se somarmos os do Senado? Agora, no poder, Lula passou a chamar os picaretas de aliados. Donde se pode concluir que o lulismo depende de um bando de picaretas.
Texto publicado na edição 112 do jornal O Saquá