A escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016, além do foguetório e discursos delirantes regados a lágrimas presidenciais, deflagrou o início da primeira competição: a corrida contra o tempo para que as obras prometidas possam estar concluídas até o final de 2015. A ironia brasileira já se encarregou de garantir que essa corrida contra o tempo só será bem sucedida a partir da entrada em funcionamento do trem-bala, assim mesmo se não for um trem-bala-perdida. O grande oba-oba pela conquista da Olimpíada de 2016 é justificado pelos promotores da candidatura do Rio, principalmente, por causa de um tal de “legado” que, segundo o Aurélio, figuradamente, significa “aquilo que alguém, que alguma geração, que uma escola literária, etc., transmite à posteridade”.
Os ocupantes de cargos públicos e os dirigentes esportivos referem-se ao legado como sendo um bom sujeito, sem sombra de dúvidas e, para tanto, destacam de seu currículo a proveitosa contribuição à herança das Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Mas, ao mesmo tempo, omitem esse tal legado referente às Olimpíadas de Montreal, no Canadá, em 1976. Um abismo separa a realidade entre Barcelona e Montreal, após terem abrigado o maior evento esportivo do mundo. A conta da transformação e da revitalização na infra-estrutura de Barcelona contrasta com o rombo de R$ 3 bilhões, em valores corrigidos, nos cofres de Montreal. Para a cidade canadense, a Olimpíada foi sinônimo de fracasso e esse tal de legado impôs à população um brutal aumento da carga tributária para tentar amortizar os efeitos maléficos da conta olímpica. Até 2006, 30 anos após a Olimpíada, a população de Montreal pagava as dívidas geradas por este evento esportivo. Muito pouco ficou para os moradores de Montreal, além do enorme buraco nas finanças e da suspeita de corrupção.
Além do cuidado com esse tal de legado, preocupam também as inúmeras demonstrações de pouca transparência na utilização de dinheiro público em projetos de grande porte como o das Olimpíadas. Logo após a vitória do Brasil, o jornal O Globo (11.10.09) estampou em manchete: “MP federal investiga candidatura olímpica”. Segundo a matéria, “o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria Geral da União) analisam a dispensa de licitação em contratos de até R$ 48 milhões”. Foi o suficiente para os gozadores de plantão sugerirem a inclusão de mais uma modalidade esportiva nas Olimpíadas de 2016: a Maracutaia Olímpica que, segundo seus praticantes, teria no Brasil um dos países favoritos à medalha de ouro. Aliás, esses mesmos gozadores iniciaram também a elaboração de uma cartilha simplificada, visando ajudar os estrangeiros quando quiserem se expressar para indicar coisas praticamente necessárias a todo momento. E, neste início de trabalho, já catalogaram: avião é TAM, telefone é TIM, aeroporto é TOM e violência é TUM… TUM… TUM.
Eu confesso que vibrei com a escolha do Rio como sede das Olimpíadas em 2016. Não tanto, é claro, quanto as empreiteiras e nem como o maior mecenas privado dos Jogos Olímpicos do Rio, que só para o Comitê Organizador da Candidatura doou a bagatela de R$ 23 milhões, além de ter pago R$ 40 milhões pela concessão da Marina da Glória que será restaurada por um projeto avaliado em mais de R$ 150 milhões, para transformar-se em palco das provas olímpicas de iatismo. Ao vibrar, também não cheguei às lágrimas de esguicho. Afinal, não sou presidente e, muito menos, pretendente à medalha de ouro com o recorde mundial de popularidade.
Eu cresci ouvindo falar no Brasil do “Vai da Valsa”, que depois passou a ser o do “Ao Deus dará” e, em seguida, o do “Venha a nós, ao Vosso Reino nada”. Agora, estamos no país do futuro, o do “Pré-datado para 2016”. Fazer em 7 anos o que não foi feito em 70? Haja esperança! O problema é que, com a violência e tantas balas perdidas, nem a esperança é mais a última que morre. Há muito tempo ela é a primeira.
Artigo publicado na edição de novembro
de 2009 do jornal O Saquá (edição 114)