As preocupações eleitorais decorrentes do apagão instabilizaram o clima no Palácio do Planalto, com reações explícitas de irritação, mistério e subterfúgios de marketing, forjando a imagem de que a escuridão foi consequência de um imprevisto da natureza. Foi recomendado que nenhuma das autoridades “competentes”, diretamente envolvidas no sistema elétrico brasileiro, deveria chamar a ocorrência de “apagão”, palavra politicamente associada ao ex-presidente Fernando Henrique. Para os marqueteiros do lulismo, o que aconteceu foi um “blecaute”, algo absolutamente igual a apagão.
Só ficou faltando convocar São Pedro para depor na Comissão que investiga as causas daquilo que o ministro da Justiça, Tardo Genro, chamou de “microincidente”. Um microincidente que deixou 60 milhões de brasileiros, em 18 estados, por quase cinco horas, na mais completa escuridão. Um microincidente que colocou em ponto morto todas as turbinas de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, como nunca na história deste país. Cheguei a ir correndo ao dicionário do Aurélio para conferir se a minha concepção sobre o significado do prefixo “micro” estava correta… Para meu desalento estava.
Duas semanas antes do apagão, no dia 29 de outubro, a presidenciável Dilma Rousseff disse em discurso de pré-campanha: “Nós também temos uma outra certeza, a de que não vai ter apagão”. Curioso é que, naquela oportunidade, a palavra “apagão” ainda não tinha caído em desgraça. Após o apagão do dia 10 de novembro, ao ser cobrado pela imprensa, o presidente Lula, muito irritado, esbravejou: “Todo mundo que um culpado”! Mas é claro, apesar da escuridão. Parece que no Brasil do século 21 nenhum detentor de poder quer ser culpado de nada. Ninguém faz nada errado, mesmo que involuntariamente.
O negócio, aliás um bom negócio, é que os culpados não podem ser identificados porque aí a base aliada do governo, ou melhor, a base aquinhoada vai pro brejo, o que seria uma catástrofe às vésperas da campanha da sucessão presidencial. Na verdade, não pode haver culpados porque o PT e sindicalistas detêm os cargos na área de geração de energia, enquanto o PMDB domina as indicações no setor de distribuição, sendo que a Eletrobrás, que comanda as duas pontas, é feudo do senador José Sarney,que manda e desmanda na estatal da eletricidade. Sem falar que o ministério de Minas e Energia foi entregue a um lobo grande do Sarney, o Lobão. Historicamente, a energia sempre foi uma moeda política no Brasil. Nos governos de Fernando Henrique, a energia era comandada pela dobradinha PSDB-PFL (hoje DEM). Muita gente pensou que isso ia mudar com “o jeito petista de governar”. Como não pode haver culpados, também não é possível, simplesmente, atribuir à fatalidade uma ocorrência tão grave pelas consequências que pode provocar. Alguém acredita que um sistema elétrico tão complexo quanto sofisticado não resiste à queda de um raio? Ou, então, raios os parta!
Depois que a certeza da ministra foi eletrocutada por um raio, descobrimos cifras preocupantes. O grupo Eletrobrás investiu, de janeiro a agosto, R$ 2.773 bilhões em sistemas de geração e transmissão de energia, ou seja, apenas 38% dos R$ 7.243 bilhões planejados para o ano. Esses dados são do site Contas Abertas, que faz o acompanhamento das finanças públicas, e foram calculados com base em informações do Departamento de Coordenação das Empresas Estatais (Dest). Então, comprem velas. E vamos torcer para que venha logo a televisão a gasolina, geladeira a querosene, metrô a óleo diesel, elevador a gás, computador a carvão e ventilador a álcool (sem bafômetro). Já imaginaram um apagão na Olimpíada? Aquela entrada apoteótica da tocha olímpica em plena escuridão e, certamente, alguém (você sabe) gritando: “Nunca na história deste planeta uma tocha olímpica foi tão bem recebida como no Brasil”.
Artigo publicado na edição de dezembro
de 2009 do jornal O Saquá (edição 115)