Foram assassinados, em São Paulo, o cartunista Glauco e seu filho Raoni. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora em todos os jornais do país na TV, nas rádios e revistas. No cenário do crime, uma religião, Céu de Maria, como tantas outras que existem hoje no Brasil, que praticam a crença no poder de um chá de raízes da Amazônia, mistura de duas plantas: o cipó-jagube e a erva-rainha. Com alta concentração de dimetiltriptamina (DMT), o chá é um potente alucinógeno de curta duração e um copo de 100 mililitros demora em média 30 minutos para entrar na corrente sanguínea e atingir o cérebro. A partir daí vêm as alucinações. Misturado com outras drogas como maconha, cocaína e antidepressivos, ou ministrado em pessoas que têm distúrbios psíquicos, o chá conhecido como “Santo Daime” pode levar à loucura.
Utilizado pelos índios no Brasil e em grande parte da América Latina, o chá da “ayahuasca” sempre foi usado pelas culturas autóctones como uma forma de abrir as portas da consciência cósmica, em rituais que envolvem toda a tribo e sob a maestria dos pagés, dos antigos morubixabas. Em 1914, o maranhense Mestre Irineu emigrou para o Acre e provou o chá, feito por seringueiros. Em 1930 começou a distribuir o chá na capital, Rio Branco e criou uma doutrina com base no cristianismo. Nos anos 60 o baiano Mestre Gabriel criou a União do Vegetal (UDV), uma espécie de concorrente do Santo Daime. Em 1971, o Padrinho Sebastião continuou a obra de Irineu e passou a estimular a abertura de “igrejas” filiais do Daime em todo o Brasil; hoje vive no interior do Acre com seus seguidores no Céu de Mapiá.
Posteriormente surgiram novas vertentes da seita: a Barquinha, que só existe no Acre, a Umbandaime, que incorpora elementos da umbanda, e a mais comum que são os centros da União do Vegetal (UDV). A partir daí, várias filiais do Daime e da União do Vegetal se multiplicaram. Hoje, calcula-se que a seita tem mais de 30 mil adeptos, situados em mais de 100 cidades no país, com ramificações nos Estados Unidos e na Espanha. O Céu de Maria, fundada pelo cartunista Glauco Vilas Boas, do jornal Folha de São Paulo, começou a funcionar nos anos 90. Em 2009 já tinha cerca de 11 mil adeptos. Para o pai do assassino de Glauco e Raoni, o comerciante Carlos Grecchi, seu filho, o jovem Carlos Eduardo, teve um surto psicótico que foi desencadeado pelo uso do chá.
Aqui em Saquarema o alucinante chá tem sido usado regularmente, até porque é uma droga liberada, desde 1992, pelo governo brasileiro. Proibida em quase todo o mundo, semelhante ao LSD (Ácido Lisérgico), a DMT, droga encontrada no Santo Daime ou União do Vegetal (que são praticamente a mesma coisa), ao lado da mescalina é um dos alucinógenos controlados pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da Organização das Nações Unidas. Essa convenção foi assinada por 183 países, entre eles o Brasil. Porém, a convenção não proibiu as plantas ricas nesta substância, como é o caso da erva-rainha, base do Santo Daime. Desta forma, o Conselho Federal de Entorpecentes liberou o consumo do chá de ayahuasca “para fins religiosos”.
Neste caso considerada uma “bebida sagrada”, o chá está servindo, no entanto, para encobrir outros usos menos “purificantes”, digamos assim, e mais caseiros. É o caso de uma amiga que tomou a droga sem saber que tipo de chá estava consumindo e acordou completamente zonza na casa de um conhecido, de onde saiu correndo e nunca mais voltou. Foi o caso também da mãe de um adolescente, que foi buscar o filho totalmente embriagado, num ritual de pura inconsequência. Porque uma coisa é o uso controlado da ayauasca numa tribo, na Amazônia, num contexto cultural indígena e outra é no asfalto, de frente para o mar. Ou em São Paulo.
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Artigo publicado na edição de abril
de 2010 do jornal O Saquá (edição 119)