O pássaro formigueiro do litoral, o popular con-con, acima, e a lagartixa da areia, ao lado, espécies ameaçadas de extinção e que sobrevivem em Saquarema, como a borboleta da praia. Foto: Luiz Freire.
Por: Maurício Brandão Vecchi *
Mar de indescritível azul. Dunas alvas e reluzentes. Céu de brigadeiro. Ruas pacatas e seguras. Lagoas de águas límpidas e tranquilas. Junte-se a isto a proximidade da região metropolitana do Rio de Janeiro e temos uma excelente receita para desfrutar de passeios agradáveis nos fins de semana ou mesmo para a escolha de um local ideal para residir com maior qualidade de vida. Referindo-se à Região dos Lagos (ou Costa do Sol, para os que assim preferem chamá-la), o cenário descrito acima seria plenamente realístico se pintado nas décadas passadas. Nos dias de hoje, isso nos parece no mínimo questionável, para não dizer demasiadamente romântico e utópico.
A exemplo do que ocorre no país, onde a região costeira tende a ser a mais densamente povoada, a população da Região dos Lagos mais do que dobrou nas duas últimas décadas, crescendo de forma pouco ordenada. Consequentemente, grande parte da paisagem natural vem sendo suprimida para dar espaço ao homem, tanto para o estabelecimento de moradias (loteamentos, condomínios) quanto o da infraestrutura (como as vias de acesso). Mas o que pouca gente sabe é que muitas características que tornam essa região atrativa para o turismo e ocupação, como seu clima (pouca chuva e sol quase o ano inteiro), permitiram, desde um passado muito distante, o surgimento e estabelecimento, nessas áreas, de plantas e animais altamente adaptados às condições locais. Por exemplo, o clima seco da região (mesmo tão próxima ao mar!) fez surgir, nos poucos morros existentes, um tipo de floresta bem particular (só encontrada nesse trecho do Rio de Janeiro), rica em grandes cactos colunares e árvores secas e espinhosas, resistentes à escassez de água. A fisionomia dessa vegetação chega a lembrar a caatinga nordestina, mas apenas na aparência, já que as árvores são quase todas típicas de nossa Mata Atlântica. No que se refere à variedade de plantas, os especialistas apontam a região de Cabo Frio como a mais rica de todo o litoral fluminense, com muitas espécies endêmicas (exclusivas de uma determinada região).
Ocorre que o ritmo com que o homem destrói a natureza é bem maior do que ritmo em que os cientistas conseguem conhecê-la e estudá-la mais profundamente. Assim, tal como uma caixa preta, a região corre o risco de perder uma biodiversidade ainda quase desconhecida. Das espécies de sua exuberante fauna, muitas estão em perigo, como a Borboleta-da-praia (Parides ascanius), a Lagartixa-da-areia (Liolaemus lutzae) e o pássaro Formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis). Esses três animais, ainda que tão diferentes, têm algo em comum: só existem no estado do Rio de Janeiro, ainda podem ser encontrados nas restingas da Região dos Lagos, e integram a lista de animais ameaçados de extinção, correndo o risco de desaparecerem do globo terrestre, caso seu ambiente continue sendo desmatado. A situação do Formigueiro-do-litoral é especialmente delicada, pois ele só ocorre nas restingas entre Saquarema e a região de Cabo Frio, em áreas muito pressionadas pela especulação imobiliária. Pesquisas e iniciativas visando à conservação dessa espécie e seu habitat vêm sendo desenvolvidas por instituições como a ONG Pingo D’Água, o Instituto Biomas e a SAVE Brasil (BirdLife International), além da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Não se trata de defender a natureza como algo intocável, nem se trata de considerar sua preservação como algo incompatível com o progresso e o crescimento econômico. Ao contrário, o que se quer é o alcance do tão proclamado desenvolvimento sustentável. Embora se constatem algumas ações nessa direção por parte de diferentes esferas governamentais, é evidente que estas são ainda insuficientes para garantir o uso inteligente do grande potencial das peculiaridades da região. Cabe à sociedade civil, tanto por meio da conduta individual de cada cidadão, como através de associações organizadas, firmar-se como protagonista das questões ambientais e a grande aliada na defesa da biodiversidade. Nesse sentido, vale destacar a excelente aceitação e apoio que vem recebendo o projeto de criação do Parque Estadual da Costa do Sol, abrangendo trechos de diferentes municípios da região. Projeto este, por sinal, coletivamente construído por iniciativa da sociedade e abraçado inteligente e corajosamente pelo governo do estado. Não tenhamos a ilusão de que a implementação dessa nova unidade de conservação será a solução mágica para problemas enraizados por décadas em nossa região, mas sem dúvida será um grande passo.
Ficam a esperança e o desafio de buscar a fórmula para o turismo e veranismo equilibradamente planejados, capazes de usar o atrativo das nossas belas praias, mas harmoniosamente combinado com a imensa riqueza de nossa diversidade ecológica, geológica e cultural, dos nossos inúmeros sambaquis e da nossa tão bem documentada história desde o Brasil-colônia.
* Maurício Vecchi é doutor em Ecologia, pós-doutorando da UERJ e presidente do Movimento Ambiental Pingo D’Água.
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Matéria publicada na edição de julho
de 2010 do jornal O Saquá (edição 122)