Não deu uma coisa nem outra que avaliamos, na última edição, como essenciais, para que Serra pudesse neutralizar o favoritismo matemático de Dilma no segundo turno. Ele não conseguiu nem algo em torno de 80% da votação recebida por Marina no primeiro turno, nem conquistou eleitores de Dilma. Além disso, o presidente, de fato um eficiente cabo eleitoral, radicalizou sua ação política, como não se via desde a eleição de 1989, no aguerrido confronto com o Collor, hoje seu fiel escudeiro, para eleger sua candidata a qualquer preço, iniciando um retrocesso que custará caro ao amadurecimento institucional do país. Ao eleger sua candidata, valendo-se de todos os privilégios que a máquina do poder lhe oferece, o presidente Lula, como disse a candidata Marina Silva, “ganha perdendo”. E mais: “O presidente sai dessa eleição menor do que entrou”, na frase emblemática do ex-governador e senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves.
Pode até sair menor, mas para o sacolão de aliados “ele voltará”, slogan massificadamente repetido pelos getulistas em 1950. Naquela ocasião, “ele” era Getúlio Vargas, ditador desde 1930, derrubado em 1945 por um golpe militar liderado pelo então ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Em seguida (para você ver que o Brasil já é assim há muitos anos), o Dutra foi eleito presidente da República, com apoio de Getúlio. Desenvolvimentista como Dilma, Dutra teve o final de seu governo tumultuado pela algazarra do coro “ele voltará”. “Ele” quem? O próprio Getúlio, que voltou para suceder Dutra no mandato-tampão, e governou o país entre 1951 e 1954, quando deixou o Palácio do Catete, morto pelo suicídio.
Se Dilma vai ser a Dutra do século 21 só o tempo decidirá. Mas negar a semelhança das circunstâncias é impossível. Até porque é pública a ambiciosa pretensão do PT de governar o Brasil por 20 anos. Então, para concretizar essa ideia é indispensável que, entre Lula de 2002 e 2010 e Lula de 2014 a 2022, assuma mandato-tampão, entre 2010 e 2014, uma pessoa da absoluta confiança de Lula e do PT, muito agradecida pelo favor de chegar à presidência do país e, ao mesmo tempo, profundamente conformada em só governar por um mandato, abdicando da reeleição. Os bem próximos do poder garantem que isto só não ocorrerá se Lula, mais adiante, desistir ou tornar-se impedido de voltar ao poder, o que é muito improvável.
Nesta eleição a oposição, mesmo não conquistando o poder central, saiu fortalecida, pois as urnas lhe outorgaram o comando de 11 estados (8 pelo PSDB, 2 pelo DEM e 1 pelo PMDB dissidente – André Puccinelli, de Mato Grosso do Sul, que fez campanha para Serra), incluindo São Paulo e Minas, os maiores colégios eleitorais do país. Vitoriosa nas eleições regionais, a oposição estará governando a partir de janeiro, 56% da população, 60% do PIB, alcançando muito mais votos do que nas duas últimas eleições em que foi derrotada, reduzindo em quase 10 milhões de votos a diferença para o PT.
O PSDB sozinho governará cerca de 47% dos brasileiros, quase metade do eleitorado que votou nas últimas eleições. Os 44% de votos válidos obtidos por José Serra, no segundo turno, representam o melhor desempenho da oposição nas três últimas eleições presidenciais.
Artigo publicado na edição de novembro de 2010 do jornal O Saquá (edição 127)