Apagou a mãe e foi pro baile
Que Enedina, 20 anos, gostava mais de uma boa sacanagem do que da mãe, disso todo mundo sabia. Como prova da verdade, quebrou e desmaiou a velha na porrada, roubou a grana que estava escondida numa panela amassada, botou uma microssaia, pintou a boca de roxo, partiu e se entregou aos machos no baile funk. Pagou cerveja, pau nas cochas, calcinha de nylon e caipivodka pros homens.
Comprou baseado no pipoqueiro, deu duas cafungadas numa carreira de pó, ficou doidona, subiu na cadeira tirou a calcinha, cheirou e jogou pra galera. Resolveu fazer a dança do vento na pomba, mas vomitou no palco e foi expulsa por apresentar comportamento inadequado e incompatível com o seleto ambiente de funkeiros, onde as músicas cantadas faziam exclusiva apologia ao tráfico, a liberação de drogas e ao livre comércio de armas pesadas.
Despirocada chegou às 5 da manhã e já encontrou a polícia de plantão na porta da casa. Carregado pelo pessoal do IML, o corpo duro da mãe defunta, com o crânio fraturado na queda do desmaio, estava sendo embarcado no rabecão. A vizinhança, que cedo tinha testemunhado a coça que provocou a morte da velha, gritava: “piranha assassina, mata essa vaca na pedrada, condena essa galinha à morte, joga gasolina e bota fogo nessa cachorra”. Incitado, o povo varejou na cara de Enedina uma carga de pedaços de tijolos, quando o policial algemou e deu ordem de prisão à acusada.
Na delegacia negou o crime e disse que a mãe era alcoólatra e por viver bêbeda era conhecida como Nika Gambá. Afirmou que, durante briga, antes de sair para o baile, Nika ficou desmaiada no chão, mas que por ser uma velha safada e fricoteira, pensou ser mais “uma das sacanagens da pinguça que vivia atrasando o meu lado por eu ser apetitosa, fazer sucesso e ser disputada pelos gostosões das baladas”.
Enquadrada por homicídio culposo, ainda meio alucinada, disse que se for condenada vai transformar a cadeia no maior redevu do Estado do Rio de Janeiro. Antes de sair da delegacia para a prisão temporária, perguntou ao policial se ele tinha um prestobarba “quero chegar toda raspadinha no xadrez, fazer um strip e arrasar xilindró”.
Ferrão no rabo
Esbaforido de calor e sem conseguir dormir, foi tarrafear camarão embaixo da ponte. Para não molhar a bermuda ficou pelado, tranquilo e despreocupado. Cada lance, lá vinha a rede tampada de bagre e de água-viva gosmenta, mas nada de camarão. Aporrinhado e aborrecido com os latidos da cachorrada de rua que se abriga no local, ameaçou os animais com um pau e foi surpreendido por uma “gang” ensandecida e homicida de vira-latas disposta a encarar e devorar o pescador.
Correu, caiu e se esborrachou em cima do monte de bagre. Só na bunda foram oito esporões, daqueles que o peixe fica cravado com o ferrão enterrado até o talo. O que espetou no bilau quebrou e sumiu pelas dobras das pelancas adentro. Os dois que se enfiaram pelas costas por pouco não atingiram o pulmão. As águas-vivas se encarregaram de fazer o restante do estrago, sapecando as pernas, as costas e o saco que, todo queimado, ficou dessorando em carne viva.
A cachorrada devorou com dentadas as batatas das pernas, joelhos e as coxas. Correndo nu pela rua, perseguido pelos cães, pisou num caco de gargalo de garrafa lascando o pé desde a cabeça do dedão encravado até a curva do calcanhar rachado. Desmaiado, ensanguentado, foi socorrido pelo resgate.
Para tirar os bagres da bunda, Gerôncio teve que ser operado. O ferrão que se perdeu no meio das pelancas do bilau inflamou e ainda não foi encontrado devido ao tamanho do inchaço e as abocanhadas sofridas foram costuradas e vai ter que tomar doze injeções na barriga para evitar a raiva canina. Quando sair do hospital, vai ter que se explicar por ter sido flagrado pelado em via pública e ainda responder processo por atentado ao pudor.
Sapecada no despacho
Na passagem do dia 31, bebeu todas e cheirou algumas. Com dinheiro e na marra, arrastou o gatão pra praia, lavou a perseguida na marola, palmeou o foguetão do bofe e, cheia de fome, recheou a perereca. Gritou, berrou, gemeu e se contorceu na transa. Mesmo já toda ardida e entupida de areia disse que não ia parar “To pagando e quero mais”. Desleitado e com a mangueira seca, o garotão pediu arrego. Doidona e ainda cheia de fogo, prometeu escândalo, afirmando que acusaria o parceiro de estupro e furto de dinheiro, se a sacanagem parasse antes de o sol raiar.
Sem acordo, a baixaria esquentou na areia da praia. O pau comeu e a porrada choveu no foguetório de ano novo, enquanto os dois doidaços e pelados se despentelhavam, arrancando os cabelos um do outro. Na mistura de réveillon com redevu, Cecília, 32 anos, entre outras, tomou uma garrafada de cidra no centro da cara e desmaiou ensanguentada, toda arreganhada no buraco do despacho cheio de farofa, flores e uma montoeira de velas acesas.
Removida pelo resgate, Cecília deu entrada no hospital respirando com muita dificuldade devido à gravidade do ferimento na cabeça. A bunda, esturricada, apresentava profundas queimaduras, e a perereca, toda sapecada, ficou irreconhecível, pois não tinha começo, nem fim. Testemunhas relataram o fato na delegacia, mas nem a vítima sabia o nome do bofe de programa.
O amante do traficante
Da sua primeira viagem de férias ao exterior, Gerard, 24 anos, voltou com Ruarez, seu belo e moreno namorado, de 36 anos. Chegou ao casarão, onde a família passava férias em Itaúna e foi logo dizendo para os pais, na frente de visitas e parentes, que é fortão, malhado e peludo, mas que é gay, está apaixonado e que, por já ter engatado e torrado a rosca, está definitivamente assumido e que não tem retorno.
O primeiro a se manifestar foi o primo dizendo que Gerard tinha tudo de macho, mas tinha andar aveludado de mariposa desmamada. A tia falou que fazer comida gostosa do jeito que ele fazia “só podia ser mesmo coisa de viado”. O irmão mais velho afirmou que não se importava com a escolha, mas que o cunhado precisava ser investigado por ter cara de trambiqueiro. O mais novo disse que não quer nem saber onde ou quando se engataram, que quer mesmo é que o cunhado boiola lhe ofereça uma moto de presente.
A mãe, horrorizada, declarou não poder acreditar que um filho que gosta de jogar futebol, corrida de automóvel, malhar pesado na academia, comida quente e muito apimentada, venha agora confessar que, além de tudo isso, goste de queimar a ruela. O pai, encarando as visitas, disse que certa vez uma vidente afirmou que ele teria três filhos. Dois seriam homens, mas que para um deles a bola de cristal embaçava e aparecia uma rodinha circundada de pequenas pregas e raios piscando.
A irmã adotiva aproveitou o embalo e contou que ainda está solteira porque os dois namorados que teve eram gays. Um está até hoje vivendo muito bem, amigado com um gari da Prefeitura. O outro se apaixonou por um bombeiro e moram juntos num clima de total felicidade, “enquanto um apaga o fogo, o outro se atraca na mangueira pra afrouxar a argola”.
A avó materna disse que não acredita nessa história “porque meu neto, desde muito jovem, de tão cabeluda chega a ter cachos na bunda e isso não é coisa de bicha declarada”. O avô contou que uma vez, na fazenda, entrou no quarto de Gerard e encontrou seis fotos de um jumento em total ereção e se babando todo, olhando para um cavalo que estava mijando no pasto.
Quinze dias juntos e já aceito pela família, a confusão começou quando, de volta, no aeroporto, a polícia interceptou Ruarez com um passaporte e outros documentos falsos. O verdadeiro nome do fora da lei é Domingues, procurado por tráfico internacional de drogas e suspeito de comandar uma rede de assassinos de aluguel em seu país. Entregue às autoridades, embarcou algemado acompanhado por policiais federais, deixando em prantos o amante que jurou suicídio, tão logo o mar se descacete em ondas perigosas no Costão da Igreja.
Casos publicados na edição de janeiro de 2011 do jornal O Saquá (edição 129)