Enfim, sai de cartaz a peça de um único protagonista. Entra em cena a peça reunindo os coadjuvantes do espetáculo que terminou. O período de 8 anos de Lula foi concebido sob medida para que ele brilhasse sozinho. Nada indica que essa mesma coreografia vá se repetir no prazo de 4 ou 8 anos da presidente Dilma Rousseff. A despedida de Lula, em cadeia nacional, lembrou a Carta-Testamento de Getúlio Vargas, de 1954, e a Carta-Renúncia de Jânio Quadros, de 1961, documentos que já fazem parte da nossa história política recente.
Lula conseguiu descer a rampa do Planalto com uma popularidade digna de um peronismo à brasileira, derrubando a tese de que o exercício prolongado do poder desgasta um presidente, governador ou prefeito. Estudiosos garantem que só o tempo permite avaliações serenas, porque são diluídas as paixões, ainda mais quando se trata de um personagem como Lula que ultrapassou os limites entre a política e a mitologia, irrigado por doses de culto à personalidade. Apesar da popularidade, muito acima dos votos recebidos por Dilma Rousseff, o ex-presidente deixou o poder com poucos avanços em áreas-chave para o país, como Saúde, Educação e Saneamento Básico, mesmo reconhecendo-se aspectos positivos da Era Lula. Os truques das estatísticas oficiais e o carisma do ex-presidente esconderam o aumento significativo de gastos públicos e os investimentos, muito aquém do apregoado.
A presidente Dilma Rousseff tem condições de fazer um bom governo, até porque conhece a máquina pública como poucos. Só não pode subestimar as armadilhas engatilhadas no exercício do poder pelo lulopetismo que precisam ser desativadas para o bem de seu governo e do país. O bilionário americano, Warren Buffett, criou uma imagem antológica: “Somente quando a maré está baixa é que se pode perceber quem está nadando nu.” E a maré da bonança mundial está na vazante há algum tempo. Dilma vai herdar também um balanço negativo na política, em função do estilo fisiológico de negociação e alianças adotado pelo lulopetismo. No primeiro mandato de Lula, construiu-se o esquema do mensalão para azeitar o apoio parlamentar. Com a vitória de Lula em 2006, apesar do mensalão, o lulopetismo procurou ser mais objetivo na montagem da base aliada: negociou verbas e vagas no ministério com o PMDB e partidos menores, sem pudor – fórmula agora repetida na formação da equipe que acaba de assumir o poder com Dilma, que manteve 16 ministros da Era Lula.
A Esplanada dos Ministérios terá forte presença paulista, reavivando o apelido de “paulistério”. Dos 37 ministros, 9 (entre os quais Casa Civil, Educação e Saúde) são de SP. O Rio ficou com apenas 4: Carlos Lupi (permaneceu no Trabalho), Luiz Sérgio (Relações Institucionais), Ana de Hollanda (Cultura) e Moreira Franco (Assuntos Estratégicos). No vasto condomínio eleitoral de 10 partidos da coalizão governista, Dilma privilegiou o PT, que controlará os chamados “ministérios da Casa”, além dos mais estratégicos da Esplanada. O ministério de Dilma tem a cara de Lula e a expectativa de uma continuidade com submissão, pelo menos enquanto. Lula abrirá mão de ser o manda-chuva? Já tem gente questionando: “Afinal, de que adianta eleger uma mulher se o homem é que continua mandando?”
Artigo publicado na edição de janeiro de 2011 do jornal O Saquá (edição 129)