A catástrofe na Região Serrana fluminense completou um ciclo de muita irresponsabilidade e oportunismo, que estimulou um crescimento escandaloso de ocupações sem qualquer comprometimento com uma política habitacional séria. Este absurdo garantiu votos para muitos políticos que se exibiram em palanques como defensores das causas populares. Autora de trabalho sobre a Região Serrana, a pesquisadora Waleska Marcy Rosa relembra que, na década de 80, incentivava-se a ida de moradores da Baixada para ocupações na Região Serrana, o que transformou Teresópolis, proporcionalmente, numa das cidades mais favelizadas da América do Sul. Não se pode deixar de ressaltar, contudo, que as áreas afetadas pela tragédia não foram somente as de ocupações irregulares.
Com o triste saldo de mais de 1000 vítimas, mortos e desaparecidos, esta catástrofe climática deixou um rastro de destruição nunca visto no Brasil, onde o primeiro homem público preocupado com os fatores climáticos, lembrou o economista Gil Castelo Branco, dirigente da ONG Contas Abertas, foi D. Pedro II, quando prometeu: “Venderei até o último brilhante da minha coroa para acabar com a seca no Nordeste.” A coroa intacta, com seus brilhantes, está no Museu Imperial de Petrópolis, enquanto milhares de nordestinos até hoje são sepultados esturricados pela seca em suas cidades.
A tragédia da Região Serrana obedeceu ao roteiro clássico das catástrofes brasileiras. Enquanto, com enormes dificuldades, transcorria a ingrata tarefa de resgate dos corpos, já começava o anúncio da liberação de cifras milionárias para atender desabrigados e financiar obras. Precisamos de algo mais, além dos retumbantes anúncios de verbas. Para os economistas, o maior erro é investir pouco na prevenção e gastar muito para remediar. Ano passado, por exemplo, foram gastos 13 vezes mais após catástrofes do que com medidas preventivas que poderiam minimizar seus efeitos. Pior, segundo a ONG Contas Abertas, é que, nos últimos 11 anos, de cada R$ 5,00 do Orçamento da União para evitar calamidades climáticas somente R$1,15 foi efetivamente investido.
O problema é que a história se repete e quando vier a próxima enxurrada vai-se constatar que boa parte da dinheirama anunciada não conseguiu subir a serra, desviado pelo clientelismo político, fazendo-nos concluir que não é chuva que deve ir para cadeia e, muito menos, os mortos, que chegaram a ser apontados, por autoridades, como os culpados pela tragédia na Região Serrana. Como se o poder público não tivesse a responsabilidade de fiscalizar a ocupação desordenada do solo e adotar políticas preventivas na área da Defesa Civil. A propósito, embora conste a existência de órgãos de Defesa Civil, em 77% das cidades brasileiras, não chegam a 10% os que estão estruturados e atuantes.
Recém-empossada, a presidente Dilma Rousseff precisa, a partir de agora, reservar parcela de seu expediente diário para patrulhar a trajetória dos volumosos recursos que acaba de liberar. Além disso, com seu perfil mais técnico do que político, como o estilo ôba-ôba do seu antecessor, é de se esperar que Dilma fortaleça, principalmente, as ações preventivas, aprimorando a gestão e ampliando o alcance das medidas, ainda que, para tanto, necessite vender os brilhantes da coroa de D.Pedro II.
Artigo publicado na edição de fevereiro de 2011 do jornal O Saquá (edição 130)
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