Nós, os pioneiros do surfe, descobridores da Praia de Itaúna há 47 anos (Armando Serra, Mário Bração, Piuí, Russel, Tito Rozemberg, Gustavo Carreira, Penho, Maraca, Ricardo Bocão e Ceceu, entre outros) surfávamos maravilhados as perfeitas ondas deste “point” abençoado pela natureza. Nos primeiros dias, fomos recepcionados por Patrícia Sampaio, a anfitriã e madrinha do surf saquaremense, em sua casa e surfávamos principalmente na Barrinha. Depois, num dia perfeito “a la Hawaii”, de abril de 1964, caminhávamos com nossas pranchas até o lugar onde os pescadores locais mantinham seus barcos. E, quando chegamos lá, as direitas impecáveis quebravam, uma após a outra, com tamanha perfeição, que não conseguíamos mais sair daquela praia.
E assim foi… Quando começamos a vir mais frequentemente, ficávamos em barracas, acampados, com fogueira. Para chegar em Itaúna era uma verdadeira odisseia, porque tínhamos que caminhar muito com os pranchões que pesavam, com as mochilas e barracas; a comida tinha que trazer quase toda do Rio e se virar para fazer, pois não havia nenhum lugar para comer. Itaúna não tinha nada! À noite, uma escuridão implacável. Enfim, um sufoco geral, com milhares de mosquitos…
Um dia daqueles, após uma fracassada tentativa de fazer macarrão, estávamos com muita fome, quando surgiram dois pequenos meninos que casualmente tinham o mesmo nome Paulo: um, o Paulo Cocada, e o outro simplesmente Paulo. Paulinho vendia cocadas muito saborosas, que nos salvaram da fome geral; compramos todas, não sobrou nenhuma!E o menino falou: preciso levar o dinheiro para casa, pois tenho que comprar comida para minha mãe fazer para a minha família. Pagamos as cocadas e perguntamos a ele se a mãe cozinhava bem; ele disse que sim. Naquele momento tivemos a ideia de comprar mantimentos para a família dele e, em compensação, perguntamos se a mãe faria nosso feijão azuki com arroz integral. Uma troca honesta. Ele convidou então para irmos juntos a sua casa para conversarmos com ela, porque só ela poderia decidir. Assim fomos até sua casa na Rua dos Pescadores, no começo de Itaúna.
Foi quando conhecemos aquela pessoa maravilhosa, Dona Clementina, que se prontificou imediatamente a fazer nossa refeição. Foi também quando conhecemos Seu Cacá, pai de Paulo, que, com toda cordialidade, ofereceu os peixes que pescava e que Dona Clementina faria fritos. E o acordo foi feito. Nós buscávamos pontualmente nosso “rango” ao meio dia, depois do surf, que abria o apetite geral. E ela cumpriu sua palavra literalmente, todos os dias. Foi assim que este casal também passou a fazer parte da história do surfe, ajudando muito a todos nós, surfistas desbravadores, salvando-nos da fome, com sua comida temperada e deliciosa. Além de nos tratar com educação e bondade de pai e mãe, esse casal maravilhoso e seus filhos nos deram uma lição de vida.
Seu Cacá e Dona Clementina estarão sempre em nossa lembrança, como também na história do surfe em Saquarema.
Artigo publicado na edição de maio de 2011 do jornal O Saquá (edição 133)