Trombonista capado
Sanfoneiro de forró e tocador de tuba de banda, Valval, que nas horas vagas costumava varetar o trombone escondido nas moitas da beira da praia, especialmente quando o mulherio se banhava com aqueles biquínis onde não cabe a bunda, tanto varetou que o instrumento emperrou e, sem retorno, o concreto endureceu e não houve jeito de desconcretar. Após três dias com o circo armado, procurou um pai de santo e pediu reza pra desinchaço de carne encruada. Como não tinha, fez descarrego com pentelho de chimpanzé pra amolecer nervo duro. Até bateram curimba com roda de gira pra desmoronar bengala, mas nada adiantou. Com a demora na busca de socorro médico, o processo de necrose se espalhou e mesmo forçado se negou a assinar a autorização para amputação total, que mesmo assim foi feita. O que ninguém entendeu foi à razão pela qual no meio dos cinco nomes de mulheres tatuados no membro removido estava o de Zé da Cegonha, caminhoneiro que transporta carros de São Paulo e que costuma se banhar pelado na praia. Despinguelado e desistrumentalizado, ao receber a notícia do destrombonamento, Valval pediu ao médico uma injeção letal, alegando que não poderia viver sem o trombone, já que não dá pra tocar tuba e sanfona atrás da moita.
Futucada no barranco
Justina Cabeluda, que vende pé-de-moleque de amendoim no terminal rodoviário, arrumou uma encrenca e se desparafusou na porrada com um morador de rua, conhecido como Cutuca Vaca, que dormia no barranco da praça e que antes de se excomungar na manguaça tinha sido seu escudeiro e fiel amante. Durante o quebra-no-cacete, Cutuca disse que Cabeluda lavava a perseguida, mais cabeluda ainda, na mesma bacia que torrava o amendoim e que muitas vezes usava a vasilha como penico pra mijar de madrugada. A filha da acusada entrou na briga e enterrou uma tesoura na goela do cachaceiro que se esvaiu em sangue com uma veia perfurada. Acionado, o resgate entrou em cena e o hospital remendou o buraco de Cutuca. Na delegacia ele disse que a briga começou porque Justina se recusou a dar uma futucada com ele no barranco e, por isso, ameaçou denunciar Cabeluda por usar produtos furtados pra fazer os doces que vende na rua. Que mãe e filha são gatunas de supermercados e que criam e matam gatos pretos pra vender as cabeças pros macumbeiros que arriam despachos nos portões dos cemitérios. Cachuncha, a tesouradeira, está sendo indiciada por tentativa de homicídio e Cabeluda, desbocada que xingou os policiais de tudo quanto foi nome, vai responder por provocação de tumulto e desacato.
Engatados no Machambomba
Quando o pai voltou do cartório onde registrou a filha com o nome de Bedelha, a mãe teve um vuco-vuco no coração, caiu desfalecida e acordou doida de pedra. A avó materna da criança fez o maior inferno, desconjurando o pai e autor do nome, jogando uma praga de sogra pra Albino ficar todo malhado de vitiligo, morrer tuberculoso com a bunda seca em pelancas e ser enterrado como indigente na vala de esgoto de cocô que passa no meio do Beco da Machambomba onde mora. Sabedor do praguejamento, Albino encheu a sogra de porradas e arrematou a confusão esfregando a cara da velha no esgoto do sepultamento. Quando viu Celestina toda breada de cocô, o marido Ederaldo entrou na briga decidido a matar o genro com uma espingarda, mas recebeu tamanho chute nos bagos que pipocou uma veia do papo e chegou ao hospital com uma poça de sangue alagando o rego. O beco virou um sururu na zona quando a desfalecida que acordou doida pensou que era festa, ligou o som nas alturas, botou um CD de funk conhecido como “arranca pentelho” e desvairou a dançar no meio das duas famílias engatadas na porrada. Foram presos: o sogro rasgado por baixo, a sogra lambuzada de cocô, mãe peidada da cuca, o pai da bunda seca e mais doze moradores do Machambomba que se defloraram na porrada no fogaréu do Beco.
De quatro no Tororó
No meio do forró, enquanto se dissolvia em faísca sarrando no picotoco de Germano Pé-de-Valsa, Zezelha segredou no ouvido do dançador que o marido estava ferrado no sono e que ela pulou a janela pra encontrar um parceiro e que agora tinha certeza de com quem ia pular a cerca para furunfar naquela noite. Ai Germano retrucou: “cumigo num haverá de cê, porque eu sô dancero e num sô cafetão”. Desgovernada, Zezelha disse que não era fêmea de ser recusada e que isso ia render pior pra ele. Desta vez Germano mandou essa “vejemo pió pra quem, sua galinha velha arrumbada, mitida a franga que nunca butô ovo”. Na semana seguinte, no mesmo forró e desta vez com o marido, Zezelha apontou Germano como sendo o homem que tentou estuprá-la no caminho da Grota do Tororó, onde estava de quatro, com a bunda pra cima catando folha de quebra-pedras pra fazer chá pra dor nos rins do esposo. Durante o bate-boca, Pé-de-Valsa disse que o que ela cata na Grota é rola e folha de dormideira pra dopar o marido, que vai dormir broxa e acorda corno. Falou e tomou um tiro no joelho e dois no braço. O marido está preso e Zezelha livre de rabo pra cima no Tororó.
Pinguelada de gato
Com apenas seis meses de idade, a gatinha de Deuzina foi agarrada a força e estuprada no telhado por Chumango, gato pardo cafetão de oito quilos, que frequenta as casas da redondeza e que por não resistir aos encantos e miados sedutores, devorou a jovem felina. Estrunchada e entupida com o minhocão espinhoso a bichana morreu babosa e vesga, com o olho perdido no espaço da noite estrelada. Filó foi enterrada com direito a honras familiares e flores de plástico. Choromingosa e vingativa, Deuzina comprou chumbinho, mas Chumango, que gosta mesmo é de comer outra coisa, nem deu bola pro veneno e continuou mioso e noturno gatunando pelos telhados do bairro. Insatisfeita, procurou o dono do animal e, queixosa, pediu providências, porque já não aguentava com a barulhada provocada pelo bicho que chamou de assassino estuprador. Em resposta foi aconselhada a dar pro gato “se quer que ele fique quieto e satisfeito”. Sem completar a frase levou uma tijolada no miolo da cara e despencou ensanguentado em cima de uma cerca de arame farpado. Seu Ademar foi aconselhado pelos vizinhos a não registrar a queixa, “porque pinguelada de gato pode acabar em tragédia”.
Casos publicados na edição de julho de 2011 do jornal O Saquá (edição 135)