Foi estrondosa a repercussão provocada pelas denúncias do Fantástico, na TV Globo, mostrando empresas que oferecem propinas para ganhar licitações em contratos com a União e os governos estadual e municipal do Rio. Os escândalos se sucedem evidenciando o doutorado de complexos esquemas criminosos que vão desvendando, lépidos e fagueiros, todos os caminhos da fraude. As mais recentes denúncias tornam nítidos os laços suspeitos, vícios e sobretudo má-fé, tudo isso visando única e exclusivamente à influência política para encurtar o acesso ao dinheiro público.
No rebuscado “jurisdiquês” das leis brasileiras a licitação aparece como um instrumento para garantir a contratação de empresas mais capacitadas, porém, respeitando o princípio básico de onerar, ao mínimo, o cofre público. Mas, de fato, o que se percebe é tão contraditório que mais parece ser a licitação o meio legal de alguém enriquecer às custas dos escorchantes impostos que pagamos.
O comportamentos de representantes de empresas interessadas em contratos de prestação de serviço a um hospital da UFRJ, mostrado pela reportagem do Fantástico, comprova o escabroso roteiro de escândalos praticados dentro de órgãos públicos que avançam cada vez mais sobre o bolso do contribuinte, sem o menor zelo com o destino do dinheiro da população. É incrível imaginar que as autoridades, ditas competentes, não saibam de nada. Pelo menos é o que elas deixam transparecer.
Foi preciso o Fantástico descobrir e denunciar para dar uma estancada. Lamentavelmente, com o tempo o assunto vai minguando no noticiário e a tendência é todo o alarido de agora resultar em nada de concreto, restando apenas as frases indignadas contra a corrupção. Não se deve mesmo, infelizmente, esperar por alguma punição à altura do que foi registrado pela televisão, porque há uma dificuldade técnica: a impossibilidade de empresas serem condenadas, na esfera criminal, quando funcionários são apanhados em negociatas. A possibilidade existe somente em crimes ambientais. Em assaltos aos cofres públicos não. É assim que são as coisas nessa república tupiniquim.
Em 2010 o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei para preencher este vazio. Mas até agora o vazio continua. Se por um lado há fortes indícios de que prevalece uma roubalheira disseminada e institucionalizada do dinheiro público administrada pelos maus servidores, com ramificação no mundo político-partidário, por outro as circunstâncias favorecem as falcatruas, quando se sabe que no setor de saúde, por exemplo, apenas 2,5% dos bilionários repasses federais a estados e municípios, feitos no âmbito do SUS, são auditados por insuficiência quantitativa de mão-de-obra fiscalizadora. O professor de Economia da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, concorda que há falta de órgãos para fiscalizar a aplicação de recursos públicos. Segundo ele, isto não é por acaso: “Existe muita gente poderosa interessada em manter tudo como está.” Reinaldo Gonçalves não esconde que é muito cético em relação ao combate à corrupção no Brasil, ressaltando que algumas medidas isoladas, para minimizar os efeitos da corrupção, são modestas demais diante da grandiosidade do mar de lama que inunda tanto os serviços públicos, quanto os privados: “Até porque, no fim das contas, a corrupção é uma forma dominante de política” – arremata o professor.