A assinatura da Lei 238, em 8 de maio de 1841, pelo Visconde de Baependy, então vice-presidente da Província do Rio de Janeiro, concedendo a emancipação político-administrativa de Saquarema, já prenunciava que um forte governo conservador estava prestes a instalar-se no poder imperial. No decorrer do processo de assunção deste grupo ao poder, ocorreram sérias perturbações da ordem pública na primeira eleição na Vila Nossa Senhora de Nazareth de Saquarema, 3 anos após a emancipação. Dois candidatos digladiavam ferozmente na luta pelo poder: de um lado, o coronel conservador Francisco Álvares de Azevedo Macedo, fazendeiro e senhor de engenho, e de outro, o padre Ceia (José da Ceia de Almeida) representante do Partido Liberal.
Foi no âmbito deste episódio que o Partido Conservador, presidido pelo Visconde de Itaboraí, abastado fazendeiro no município, passou a ser nacionalmente chamado de Saquarema, numa alusão ao aguerrido clima das disputas políticas em Saquarema. Durante várias décadas, um influente grupo de conservadores da política fluminense, ligados à cafeicultura, entre os quais o Barão de Saquarema, instalou o mais forte governo conservador do Império, dando início ao período que a historiografia denomina de “O Tempo Saquarema”, título do livro do professor Ilmar Rohloff de Mattos. Os “saquaremas”, conservadores, constituíram assim a oposição aos chamados “luzias”, os liberais.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
Estruturados num governo coeso com sólida sustentação, passaram a usar o rolo compressor de uma Câmara conservadora hegemônica, onde só havia um deputado liberal, e a contar com um Conselho de Estado subservientemente ao Império, sintonizado com as propostas do governo. Com tais atributos, os saquaremas tiveram força suficiente, não só para reprimir o Movimento Praieiro, derradeiro ato dos liberais, como também para promover uma série de reformas polêmicas, viabilizadas pelas medidas centralizadoras implantadas em 1840 e 1841, como ressalta Marcello Basile, mestre em História do Brasil pela UFRJ, no capítulo “A Hegemonia Saquarema”, do livro História Geral do Brasil, da professora catedrática Maria Yeda Linhares. Quando o Visconde de Monte Alegre substituiu Araújo Lima na presidência do Conselho de Ministros, em 1849, reuniu nas pastas da Justiça, da Fazenda e dos Estrangeiros, respectivamente, Eusébio Queiroz Matoso Câmara, o Visconde de Itaboraí e o Visconde de Uruguai, compondo a famosa “Trindade Saquarema”, com força total para executar as reformas requeridas pelo regime.
A perturbação da ordem pública, logo na primeira eleição de Saquarema emancipada, refletiu nos níveis superiores de poder e trouxe consequências. Uma foi a transferência da sede da Vila de Saquarema para Mataruna, na freguesia de São Sebastião de Araruama, através de decreto do presidente da Província do Rio de Janeiro, deputado João de Almeida Pereira Filho. Outra foi a inclusão do item Segurança no rol das reformas. A pretexto de acabar com a desorganização em nível local, o Gabinete Saquarema colocou a Guarda Nacional sob rígido controle do governo central, transferindo ao ministro da Justiça – que anteriormente já nomeava os coronéis-chefes – o poder de nomear todos os oficiais da corporação.
Por sua vez, a penalidade por indisciplina eleitoral, que levou a sede da Vila de Saquarema para Mataruna, em Arauama, só terminou em 1860, quando o presidente da Província do Rio de Janeiro, Ignácio Francisco Silveira da Motta, em 24 de julho, assinou decreto trazendo de volta o status de município para a Vila de Saquarema, após intensa mobilização liderada pelo Barão de Saquarema. Poderia-se então dizer: a primeira eleição ninguém esquece, sobretudo se for traumática, como aconteceu com Saquarema. Sociólogos e antropólogos garantem que o homem é produto do meio. Então, dá para entender porque, da emancipação até os dias de hoje, nunca faltou ao processo político do município, aquele calor exacerbado, nem sempre saudável, dos saquaremas que enfrentaram os liberais e, graças à hegemonia estabelecida, transformaram 1850 num ano decisivo para a consolidação do Estado Imperial. Neste caso, historicamente, caberia aqui uma pequena correção na clássica ressalva: qualquer semelhança não é mera coincidência.