“Quem canta seus males espanta”, ditado popular que vale para os humanos. Será assim com os pássaros? Será que eles cantam por puro prazer ou o canto terá outras funções?
Na casa da minha mãe, com quintal e árvores frutíferas, ainda temos o privilégio de tomar café da manhã e almoçar ouvindo os cantos dos pássaros; o que na vida de hoje, convenhamos, é raridade. Ouvindo-os, frequentemente relembro algo conhecido que nos ensina a viver: “Sê como os pássaros – que cantam, dão seus recados e vão embora sem querer saber de aplauso ou reconhecimeto”… O máximo da liberdade, não?
Só não sabia é que neste mundo tão estranho em que vivemos, o canto do “sabiá-laranjeira”, ave símbolo do Brasil e do Estado de São Paulo, por incrível que pareça, anda incomodando os ouvidos de alguns paulistanos. É isso mesmo: incomodando!?… Pode?!… É o que se vê na reportagem de Roberto de Oliveira para a “Folha de São Paulo”, de 16/09/2013. É que o “sabiá-laranjeira” (macho) canta para defender seu território, para atrair a fêmea e para “ensinar” aos filhotes. “E isso ocorre à noite ou de madrugada para evitar que os filhotes fiquem expostos aos predadores”. Assim, a sinfonia pode começar por volta das três horas da madrugada e durar até por duas horas seguidas, ou seja, “perturbando” o sono de alguns…
O engenheiro Johan Dalgas Frisch, 83 anos, “pioneiro na gravação de vozes de aves da América do Sul”, diz que “o sabiá é considerado a ave que melhor canta”. E quem reclama da cantoria “é gente que nasceu num bloco de concreto sem conhecer o chilreio dos pássarinhos”… Ou, talvez, penso eu, os rabugentos sejam os estressados, os mal-humorados ou os insensíveis…
Nessa incrível polêmica, ainda fico com os versos de Gonçalves Dias na famosa “Canção do Exílio”: “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá”…
E também toca o meu coração a lenda indígena citada na referida reportagem. Diz ela que “durante as madrugadas, no início da primavera, quando uma criança ouve o canto do sabiá-laranjeira, ela é abençoada com amor, felicidade e paz”.
Bem, eu já fiz a minha escolha. E vocês?
Chegamos num ponto onde o que vale é a regra do “num gosto, tem que pará”.
As pessoas perderam o bom senso na hora de reclamar seu espaço e o que se vê hoje são expressões puras de egoísmo ignorante. Reclamam de pássaros cantando de madrugada, mas omitem-se diante de – ou mesmo perturbam a ordem com – os altos decibéis que embalam festas e eventos.
Falta a sensibilidade de identificar a origem do que incomoda e calcular o real grau de nocividade. Um canto de sabiá pode ser mais estranho que o zumbido de um ventilador ou ar-condicionado? Nunca vi quem reclamasse desses sons; pelo contrário, já ouvi muita gente dizendo “não consigo dormir sem barulho de ventilador”.
Sinto pena das pessoas cuja vida é tão vazia a ponto de o canto de pássaros ser incômodo, ao invés de graça da natureza. Quando saí do Rio de Janeiro para vir mora em Saquarema, uma das coisas que mais gostei foi o “silêncio natural” que cai sobre minha casa todas as noites. Nada de motores, buzinas, música alta de vizinhos, estouros, ou qualquer outro barulho não-natural. Apenas pássaros, cigarras, anfíbios e… grilos. Estes são os únicos que me incomodam, confesso. Mas apenas quando parecem que se poem a cantar bem embaixo da janela do quarto. Como ficam ocultos na vegetação, a mim só resta jogar um copo de água para espanta-lo. E assim volta a doce sinfonia da natureza a embalar minha noite. E o grilo continua no quintal, apenas mais afastado da janela do quarto.
Pessoas sem empatia fazem textão para mostrar o quanto são indiferentes!!! Queria ver se o barulho produzido às 4 da manhã fosse emitido por outra fonte de poluição (alarmes, fábrica trabalhando) e acordasse os “moralmente bonitinhos”, será que o discurso seria o mesmo? Ah claro, como é uma ave não pode reclamar, tá certo!!