Jornais mobilizaram suas redações, intelectuais participando de debates, livros estão sendo lançados, professores levam o tema para a sala de aula, shows e exposições marcaram intensamente a lembrança, a revisita e a reflexão sobre os fatos vividos a partir daquele sinistro 31 de março de 1964, quando um golpe militar virou uma ditadura de 21 anos que produziu 362 mortos e desaparecidos nos porões da tortura. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão discutido meio século depois de ocorrido. A reminiscência desses amargos tempos da ditadura deveria estar presente em cada ato dos políticos, que recebem mandatos como representantes da sociedade, para uma reafirmação da democracia e da liberdade. Agir, acima dos interesses pessoais ou partidários, em consonância com essa responsabilidade histórica, é um princípio do exercício da representação.
Infelizmente, poucas ações em plenário ou acordos de gabinete são feitas à luz desse compromisso. Muitos têm sido os episódios em que os mandatos obedecem mais à dinâmica própria de um balcão de negócios. Nos últimos dias, após a conclusão de rumoroso processo de mensalão, parlamentares no Congresso voltaram a dar demonstrações de desapreço com a sociedade brasileira: as relações perigosas do vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR) com o doleiro Alberto Youssef já ultrapassou o limite das simples evidências e exigem investigações mais profundas e sérias; na outra ponta, também a indicação do senador Gim Argello (PTB-DF) como candidato do Planalto para um cargo no Tribunal de Contas da União (TCU) joga contra a credibilidade do Legislativo, no caso o Senado. Apadrinhado pelo governo Dilma Rousseff, Argello responde a seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), por acusações de lavagem de dinheiro, corrupção, falsidade ideológica e outros “malfeitos”.
Ditadura de
21 anos com
362 mortos e
desaparecidos
A propósito, o jornal Folha de São Paulo divulgou importante pesquisa que registrou um recorde de apoio à democracia, ao mesmo tempo em que um número significativo reconhece que ela é imperfeita e necessita avançar em diversas áreas. Entretanto, assombroso é o percentual de brasileiros convencido de que há mais corrupção agora do que na época do regime militar. Todos sabemos do quanto era forte o esquema de censura na ditadura militar aos veículos de comunicação, mas os chamados “contemporâneos”, com idade média em torno dos 55 anos, só ouviram os rumores que nunca puderam ser comprovados. Não havia, nem dentro nem fora do Estado, instituições capazes de promover averiguações. De qualquer forma, não se pode menosprezar este dado como indicador do caminho a ser seguido, visando o aperfeiçoamento da democracia: combater a corrupção. Só assim alcançaremos, nas futuras pesquisas, um apoio majoritário à democracia.