Uma casa cor de rosa, discretamente localizada numa rua estreita na Manitiba, bairro entre Barra Nova e o Canal Salgado, em Jaconé, tem no portão uma placa de madeira onde está escrito “Datcha rosada”. Datcha, em russo, quer dizer casa. É uma pista de que a dona da casa é uma mulher carregada de simbolismo. Filha do líder comunista e senador da República Luis Carlos Prestes, o célebre “Cavaleiro da Esperança”, nome consagrado no livro do escritor Jorge Amado, Zóia Prestes vem sempre a Saquarema, onde descansa, quando não está dando aula na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, ou em sua residência, no Rio.
Exilada política quando criança, de 1970 a 1985, Zoia viveu com o pai, Luis Carlos Prestes e a mãe Maria Ribeiro Prestes e seus 8 irmãos na antiga União Soviética. Lá, Zóia foi alfabetizada em russo, sem deixar de falar o português, língua falada em família e entre amigos também exilados. Pedagoga, formada pela Universidade Estatal de Pedagogia de Moscou, tornou-se mestre em Educação na Rússia, e doutora em Educação pela Universidade de Brasília, onde tornou-se professora do Curso de Psicologia. Exímia tradutora de autores russos, entre eles o grande romancista Dostoievsky, Zóia traduziu o poema épico de Maiakovski (1893-1930) em homenagem a Lênin, o herói da Revolução Russa.
Escrito sob o impacto da morte do líder Vladimir Lênin, falecido em janeiro de 1924, o poema “Vladimir Ilitch Lenin” é uma ode, um canto de guerra. Escrito com grande emoção por aquele que é considerado ainda hoje “o maior poeta russo contemporâneo e um dos inventores da poesia moderna”, segundo o também poeta, tradutor e crítico literário, Haroldo de Campos, o poema-livro de Maiakovski foi editado pela Fundação Maurício Grabois. A tradução direta do russo, feita por Zóia, foi uma tarefa desafiadora, quase uma reinvenção de cada verso, palavra, sentimento, estrofe. Publicado em 2012, com designer de Mazé Leite, o poema era inédito no Brasil, onde só se conhecia partes e não a totalidade dos versos. A tradução de Zóia, uma obra prima.
“Traduzir poemas é uma tarefa difícil”, dizia o próprio Maiakovski, “especialmente os meus”, reconhecia ele. Esta tradução só foi possível, porque Zóia é exímia em russo e recriou com sensibilidade as expressões da época. Na “Datcha Rosada” ao lado do marido, o jornalista Otávio Costa, Zóia vive cercada de plantas no seu jardim e de livros no escritório do segundo andar. Tudo muito simples. Saquarema, para Zóia, tornou-se um lugar para recarregar as baterias ou – quem sabe – saborear no russo os versos ardentes de Maiakovski: “Eu / me / purifico com Lenin / para fluir / na revolução em frente”.
O Jornal de Saquarema