A ferrovia que desenvolveu a Região dos Lagos
A Região dos Lagos, hoje também chamada Costa do Sol, abrange vários municípios das Baixadas Litorâneas. Situada no Leste Fluminense, tem forte vocação turística, com seus atrativos naturais. Mas nem sempre foi assim. Em meados do século 18, a sua principal vocação era agrícola. Na época, as ferrovias começaram a ser construídas no Rio de Janeiro e, no século 19, a Estrada de Ferro Maricá (EFM) teve seu primeiro trecho inaugurado em 1887, ligando os municípios de São Gonçalo a Maricá, para escoar a produção. Desde então, a ferrovia se tornou o principal meio de transporte da região, proporcionando grande desenvolvimento aos municípios integrados pela estrada de ferro.
A demanda por alimentos fez com que o município de Maricá, um dos responsáveis por parte do abastecimento de Niterói e Rio de Janeiro, abandonasse o transporte de mercadorias por tropas de mulas pelas restingas e serras. É como registra o geógrafo Eduardo Margarit, em sua monografia para a Universidade Federal Fluminense (UFF), “O resgate da história de uma ferrovia nas escolas da Região dos Lagos Fluminense”: somente em 1894 foi inaugurado o trecho que faltava até o centro de Maricá; em 1900, foi inaugurado outro prolongamento até Neves (São Gonçalo), e mais um de Maricá até Manuel Ribeiro, concluído em 1901.
Um transporte eficiente
“Em 19 de junho de 1911, foi fundada em Paris a “Compagnie Generale de Chemins de Fer dês Etats Unis du Brèsil” com o objetivo de investir cerca de um milhão de francos nas estradas de ferro brasileiras. A partir de 1913, a companhia Francesa recebeu a concessão da Estrada de Ferro Maricá bem como se tornou responsável pela construção do prolongamento até Araruama. Esta companhia foi responsável por inúmeras melhorias na ferrovia e conseguiu em pouco mais de um ano completar o prolongamento da estrada de ferro”, sintetiza ele.
O trem se tornara o meio de transporte mais eficiente da região. Em volta das estações o comércio se expandia; surgiam novas ruas e casas. Em Saquarema, a indústria açucareira impulsionou a economia durante todo o período em que a Estrada de Ferro Maricá existiu. “Isso porque, em Sampaio Corrêa, distrito de Saquarema, estava instalada a usina Santa Luiza, a maior usina de cana-de-açúcar da Região dos Lagos”, explica Eduardo.
Segundo ele, a estação de Sampaio Corrêa foi inaugurada em 1° de maio de 1913, mas antes, em 1912 já havia sido inaugurada a estação Tingui, cujo nome foi mudado para Mato Grosso. Além desta, o jornalista e historiador Célio Pimentel, no livro “Estrada de Ferro Maricá”, descreve as demais estações criadas naquele ano: a estação Nilo Peçanha (que se chamava Ponta Negra) e a estação Quintino Bocayuva, que teve o nome alterado para Bacaxá. Célio é filho do ferroviário Sotero Pimentel, que foi chefe da estação Sampaio Corrêa e foi entrevistado por Célio no jornal Hora Certa, de Araruama. Segundo Sotero, Sampaio Corrêa era uma estação próspera, devido à Usina Santa Luiza que, durante as décadas de 30, 40 e 50, sob a administração do senador Durval Cruz, industrializava açúcar para exportação.
“A Usina possuía um trem de sua propriedade composto por uma locomotiva a vapor e oito vagões plataforma que atendia sua produção. A utilização era feita por um maquinista e um foguista da Usina e um supervisor da Estrada de Ferro Maricá. O trajeto era feito diariamente da estação ferroviária de Sampaio Corrêa até o posto telefônico de Jundiar (em direção a Bacaxá) em uma distância de 4 km. Este percurso era feito na linha da Estrada de Ferro Maricá (EFM) que ali existia um entroncamento para Tingui com 3 km de distância. Este percurso era realizado em linha de trem de propriedade da Usina Santa Luiza”, explicou Sotero, acrescentando que durante a safra, a Usina Santa Luiza solicitava ainda 24 vagões, divididos entre 20 e 30 toneladas cada, para transportar sua produção de açúcar com destino a Niterói.
De Niterói a Cabo Frio
A estação de trem de Bacaxá foi o principal indutor do desenvolvimento do centro comercial de Saquarema. Ali eram embarcados limão, galinhas, bois e porcos, trazidos das fazendas. Segundo Eduardo, “os moradores de Saquarema utilizavam o trem para ir a Niterói ou então de lá, chegar ao Rio de Janeiro através das barcas; os que moravam próximo à estação aproveitavam a parada do trem para vender doces”.
Finalmente, em 1913, a ferrovia chegaria a Araruama, para escoamento da produção de sal e, em 1914, a Iguaba Grande. Porém, o último trecho, entre Iguaba Grande e Cabo Frio, passando por São Pedro da Aldeia, somente foi inaugurado em 1937, depois da Revolução de 30, no governo Getúlio Vargas, quando a EFM foi encampada e passou a ser administrada pelo governo federal. A partir de 1943, a EFM foi incorporada à Estrada de Ferro Central do Brasil, também federal, gerando outras melhorias. Porém, um golpe fatal na evolução das ferrovias viria a seguir, na década de 50, quando várias rodovias começaram a ser construídas e asfaltadas em todo o país.
“O Governo Federal deu início a uma política de priorização do transporte rodoviário em detrimento do ferroviário, para incentivar as novas indústrias ligadas ao setor automotivo que estavam se instalando no Brasil. Foi assim que nos anos 1950 foi dado inicio às obras de asfaltamento da Rodovia Amaral Peixoto, ligando Niterói à Macaé. A pavimentação da rodovia permitiu o acesso mais fácil e rápido aos municípios da Região dos Lagos e se tornou uma alternativa mais competitiva em relação ao transporte ferroviário”, relata o geógrafo.
Assim, a velha Estrada de Ferro Maricá deixou de ser a única forma de transporte da região, enfrentando a “feroz concorrência” das empresas de transporte rodoviário. “Apesar de ter um custo maior, o transporte rodoviário era mais rápido e dinâmico, podendo oferecer novos trajetos aos usuários e ao transporte de carga. Com isso, a ferrovia foi considerada pelo governo como ‘antieconômica’ e deveria ser desativada”, descreve assim Eduardo a agonia da estrada de ferro.
Privilegiando a rodovia
“Em janeiro de 1962, um forte temporal causou inúmeros danos à via, destruiu pontes e deixou a linha intrafegável. Esse foi o pretexto perfeito para promover a desativação da ferrovia, os reparos não foram efetuados e o tráfego foi suspenso (…) A erradicação da Estrada de Ferro Maricá causou inúmeros prejuízos aos municípios e principalmente à população. O transporte ferroviário era barato e amplamente utilizado para o transporte de cargas e passageiros; sem ele, a única opção era o transporte rodoviário que possuía valores mais altos do frete e das passagens de ônibus”.
Para o professor, o resgate da história da Estrada de Ferro Maricá, que proporcionou no passado grande desenvolvimento para os municípios da Região dos Lagos, é necessário, para não se apagar com o tempo. “O resgate da memória da ferrovia que foi de tamanha importância para a configuração atual dos municípios da Região dos Lagos é importante para que as crianças e jovens possam entender o processo de urbanização, os aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais, deixados pela ferrovia”.
Apesar do desaparecimento das estações de trem de Saquarema – Sampaio Corrêa e Bacaxá – terem sido demolidas, o autor destaca a forma como estas imagens permanecem no inconsciente coletivo e na vida dos cidadãos.
“Em Saquarema uma pintura no muro de um bar, além de um quadro na Câmara Municipal demonstram o que restou de lembrança da Estrada de Ferro Maricá”. Para ele, a EFM foi determinante para o desenvolvimento local. “O resgate da memória da ferrovia é muito mais do que apenas um trabalho histórico direcionado aos interessados pelo assunto. É um processo de reconstrução da memória coletiva dos antigos e novos moradores da Região dos Lagos”, considera o mestre.
A estação Sampaio Corrêa
A estação Sampaio Corrêa foi inaugurada em 1913, quando do prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Araruama. Segundo o site estacoesferroviarias.com.br, em página elaborada por Ralph Mennucci Giesbrecht, há indicações de que a estação foi inaugurada com o nome de Mato Grosso, sendo que mais tarde tanto a estação como o próprio povoado passaram a se chamar Maranguá, um nome antigo conhecido desde o tempo dos tupinambás. Porém, em 1946, o então terceiro distrito de Saquarema – Maranguá – passou a se chamar Sampaio Corrêa, nome dado em homenagem ao senador, proprietário de terras e da Usina Sergipe, uma usina que antecedeu a Usina Santa Luiza, no início do século 20.
Aliás, foi o senador Sampaio Corrêa que vendeu as terras ao também senador Durval Cruz que tornou a Usina Santa Luiza a maior produtora de açúcar da região e a segunda maior do Estado do Rio de Janeiro, perdendo apenas para uma usina de Campos. Em 1973, a Usina Santa Luiza – que tinha sua própria ferrovia conectada à Estrada de Ferro Maricá – foi fechada, encerrando a atividade açucareira na região, ampliando a atividade pecuária. Posteriormente, a estação de Sampaio Corrêa foi demolida. O que resta hoje de mais relevante no terceiro distrito de Sampaio Corrêa são as ruínas das duas torres da antiga usina de cana de açúcar Santa Luiza, que era servida por ramal da Estrada de Ferro Maricá.
Fontes: Claudio Marinho Falcão; Cleiton Pieruccini; Roteiro Rodoviário Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, 1953, p. 69; Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil, 1960; Mapa – acervo R. M. Giesbrecht
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Ótima reportagem, sou ferroviário aposentado e gosto de saber de outras ferrovias no estado e pelo Brasil a fora. Onde encontrar esse livro? Obrigado.
O autor do livro Estrada de Ferro Maricá é Célio Pimentel, editor do jornal Hora Certa, de Araruama. O telefone do jornal é: (22) 98813 6207 / (22) 99605 7459 / (21) 98320 8998.
Obrigado pela resposta, incentivo a sempre comentar a história da Região dos Lagos, para que os mais novos moradores e de idade sejam esclarecidos. Parabéns!
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