As Folias de Saquarema – tanto a Folia de Reis como a Folia do Divino – são dois aspectos da cultura popular que resistem até hoje, mas correm o risco de desaparecer, tendo em vista a redução do número de foliões e as dificuldades que vêm sofrendo nos últimos anos. A fase em que as Folias de Saquarema se encontram atualmente reflete o que restou do tempo em que eram grandes manifestações da fé católica, mobilizando centenas de foliões.
A Folia de Reis é um auto de Natal, que canta o nascimento de Jesus, peregrinando pelas ruas à noite, visitando as casas. Já a Folia do Divino é um louvor ao Divino Espírito Santo, terceira pessoa da “Santíssima Trindade” (Pai, Filho e Espírito Santo), comemorado numa data móvel do calendário cristão, Dia de Pentecostes, que encerra as festividades da Páscoa. Os primeiros registros da Folia do Divino em Saquarema são de 1769, quando foi doado o Coreto do Império, pelo fazendeiro Tomaz Cotrin de Carvalho. Segundo o historiador de Saquarema, Darcy Bravo, também o Barão de Saquarema, que doou o prédio da primeira Câmara de Saquarema, mais tarde também fez doações ao Divino.
A Folia do Divino tem raízes em Portugal. Com presença marcante no Brasil Imperial e em todas as colônias portuguesas, em certas localidades a Folia do Divino tinha o poder de libertar um preso durante a festa. Em Saquarema, tornou-se costume doar alimentos ao Instituto Madre Maria das Neves, que atendia e atende até hoje crianças carentes. Na procissão, o grupo de foliões se reveza com a banda de música da cidade. Hoje, mesmo reduzida em número de foliões, a Folia do Divino impressiona por sua majestade. O Menino-Imperador veste o tradicional terno de veludo verde e traz na mão um cetro com a pombinha de prata, seguido por seus guardiões e princesas. No coro dos foliões, também se mantém a tradição das crianças cantando com suas vozes estridentes. Assim permanece o costume de geração em geração.
Já no caso da Folia de Reis de Sampaio Corrêa, que antigamente era recebida pelo saudoso Padre Manoel na igreja de Nossa Senhora da Conceição, corre o risco de extinção. A Folia de Reis chegou em Sampaio Corrêa, terceiro distrito do município de Saquarema, no início do século 20, trazida pelo mestre André, que veio do Espírito Santo para trabalhar nas fazendas que depois se transformaram na grande Usina Santa Luzia. Hoje, com o nome de Folia de Reis Estrela do Oriente, tem como mestre o Boca de Velho e uma mulher como bandeireira, Dona Jurema, além do contramestre, ritmistas, cantores e demais foliões, inclusive jovens e crianças.
As folias como fator de identidade
As duas folias, a Folia do Divino e a Folia de Reis, são aspectos da vida da cidade que não devem e não podem ser extintas. Declaradas “Patrimônio Imaterial de Saquarema”, pela Lei 1.021, de outubro de 2009 (que também protege a Festa de Nazareth, considerado o primeiro Círio de Nazareth do Brasil, com data de 1630) as Folias são elementos da cultura colonial que permaneceram até os dias de hoje e têm imenso valor histórico. Adaptadas à cultura da cidade, matem a tradicional “Benção da Farinha”, feita pelos foliões numa grande mesa na rua em frente ao Coreto do Divino, seguida de almoço comunitário, promovido pela Irmandade Nossa Senhora de Nazareth, na esquina do Salão Paroquial.
Em Saquarema, a Folia de Reis Estrela do Oriente, de Sampaio Corrêa, não encerra suas festividades no dia 6 de janeiro, Dia dos Santos Reis, que segundo a tradição católica foi quando os três reis magos chegaram à manjedoura, trazendo presentes para o menino Jesus. A Folia de Reis em Saquarema, como em vários municípios do Rio de Janeiro, mantém o seu “giro”, a sua peregrinação, até o Dia de São Sebastião, 20 de janeiro, quando faz o tradicional “remate”, comemorado com um grande jantar comunitário, na sede da folia, na casa do mestre Boca de Velho.
Originárias da Península Ibérica, as Folias foram trazidas pelos colonizadores portugueses, como expressões da fé católica, mas no Brasil adquiriram características próprias. Porém, sem apoio oficial, especialmente do Poder Público que deveria zelar por este patrimônio cultural, as Folias estão perdendo espaço, prestígio e importância no município. A Folia de Reis sobrevive a duras penas sob o comando do apito e do fole de oito baixos do mestre Boca de Velho, em Sampaio Corrêa. No Natal, a Folia de Reis Estrela do Oriente completou 50 anos, sem que nenhuma autoridade voltasse os olhos para ela. Boca de Velho viu então uma lágrima escorrer de seus olhos. Ninguém lembrou da Folia, ninguém visitou sua casa, não recebeu um único telefonema para comemorar ou pelo menos dar os parabéns…
No centro da cidade, a Folia do Divino vem encontrando um caminho para sua sobrevivência, com um pequeno apoio da Irmandade Nossa Senhora de Nazareth. Sobrevivendo numa luta intensa contra o tempo, as Folias de Saquarema são parte da identidade cultural do município. A Folia de Reis, com sua bandeira de fitas coloridas e seu canto milenar. A Folia do Divino com seus instrumentos típicos e adereços centenários. O Coreto do Divino, que data do século XVIII, foi poupado da destruição do casario colonial do centro de Saquarema e ainda permanece em frente à praça principal, a Praça Oscar de Macedo Soares. Mas até quando?
A premiada Folia de Reis
Um momento importante e de reconhecimento na trajetória das Folias de Saquarema foi a participação de alguns foliões no desfile das escolas de samba do Grupo Especial na Passarela do Samba, no Rio. No ano de 2008, o enredo da escola de samba Tradição homenageava o município de Saquarema. Porém, o fato mais marcante na história da Folia de Reis Estrela do Oriente foi quando ganhou o Prêmio Culturas Populares da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, também em 2008. Concorrendo na categoria de Grupos Tradicionais Informais, a Folia de Reis de Saquarema foi agraciada com o Prêmio Humberto de Maracanã, entre centenas de manifestações culturais de todo o país .