Uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa (ALERJ), em pleno recesso parlamentar, lotou o plenário, com manifestantes pró e contra a construção do Porto de Jaconé, em Ponta Negra, Maricá. A polêmica sobre o porto se deve à existência de “beachrocks” que são arenitos de praia existentes em Jaconé, junto ao Costão de Ponta Negra, que constituem patrimônio arqueológico e cultural não só de Maricá, mas do Brasil e até do mundo. No entanto, esta particularidade não foi levada em conta pelos empresários da DTA Engenharia, quando começaram a elaborar o projeto do porto. Mas os “beachrocks” ganharam a atenção dos cientistas e dos ambientalistas que não concordaram com o empreendimento que pode apagar vestígios da evolução da Terra e da formação dos continentes.
Antigamente existia só um aglomerado, um só bloco, sem a divisão dos oceanos e dos continentes. Com a erupção de vulcões, formaram-se os oceanos e os continentes, tal como conhecemos agora, entre eles o Oceano Atlântico que banha todo o litoral do Brasil. Os “beachrocks” da Praia de Jaconé são testemunhos deste processo geológico e, segundo cientistas, têm ligação com “beachrocks” semelhantes aos que existem do outro lado do oceano, na África, no norte da Namíbia e sul de Angola. Esta rápida lição aprendida em palestras da geóloga Kátia Mansur, uma das realizadoras do projeto Caminhos de Darwin, levantou a bandeira a favor do “beachrocks”, arrastando um enorme grupo de estudantes, geógrafos, historiadores, jornalistas, pescadores, surfistas, ambientalistas em geral, professores e cientistas que lutam pela preservação deste sítio histórico, arqueológico e cultural. Se construído, o Porto de Jaconé ficaria justamente em cima dos “beachrocks”.
Desde o início deste debate, surgiu o movimento SOS Porto Não, um grupo de moradores e ambientalistas que vem se destacando na luta pela preservação da área que já pertenceu ao jornalista Roberto Marinho, que lá instalou um campo de golfe particular, e que sempre foi considerada área de preservação ambiental. Em dezembro de 2010, a DTA Engenharia iniciou uma série de estudos, visando a construção de um porto e em 2011 a empresa adquiriu o terreno que pertencia à empresa Brookfield Rio de Janeiro, Empreendimentos Imobiliários, antiga Braskan. Em seguida, foi aprovada uma lei municipal na Câmara de Maricá, que mudou o status da área – até então reconhecida como reserva natural – que passou então a ser uma área industrial, abrindo caminho para o porto. Hoje o porto é a principal meta do atual prefeito de Maricá, Fabiano Horta, afilhado político do ex-prefeito Quaquá, ambos presentes na Audiência Pública promovida pela Comissão do Meio Ambiente, na ALERJ.
SOS PORTO NÃO!
No plenário lotado, o grupo do SOS Porto Não era minoria, mas barulhento, com faixas, e sempre disposto a protestar com vaias. Já o grupo a favor do porto parecia mais uma claque organizada, típica de comícios políticos, que aplaudia toda vez que se falava em construção do porto, sob o pretexto de aumentar o número de empregos em Maricá. Essa foi a tônica do discurso da deputada Zeidan, esposa de Quaquá. O casal considera o porto de Maricá o maior legado do grupo político que eles representam.
Maricá atualmente é o município do Estado do Rio de Janeiro que mais ganha royalties do petróleo, depois da descoberta e exploração do Pré-Sal. Com isso o município está dando um banho de asfalto nos bairros que antes eram de terra batida, e já construiu praças, pontes, CineTeatro Henfil, um centro cultural e esportivo no bairro Mumbuca, entre outras obras. Mas a cereja do bolo é sem dúvida a construção do Hospital Ernesto Che Guevara, na margem da Rodovia Amaral Peixoto, em São José do Imbassaí. Porém, Maricá praticamente não tem saneamento básico! Só recentemente o município se voltou para essa demanda.
Em novembro de 2015, a engenheira sanitarista Ana Paula, o jornalista Pery Salgado e dezenas de moradores encabeçaram um manifesto contra a construção do porto. Teve início então uma Ação Civil Pública contra os Terminais Ponta Negra, nome oficial do Porto de Jaconé, que foi a base para a intervenção do Ministério Público do Rio de Janeiro que não só considerou a área imprópria para a construção do porto como produziu um filme, o “Beachrocks em Chamas”. A atuação rápida do GAEMA (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente), presidida pelo promotor Marcus Leal, do Ministério Público do Rio de Janeiro, estancou as expectativas dos empresários, ávidos para construir um porto naquela área, devido à excelente profundidade do mar, entre outras vantagens.
APLAUSOS E VAIAS
Na Audiência Pública na ALERJ tudo isso veio à tona, com depoimentos de ambos os lados, com destaque para o deputado Flávio Serafini, o professor Paulo Hargreaves, oceanógrafo da UFRJ, o professor Vitor Nascimento, geólogo da UFF, o ambientalista Sérgio Ricardo e o geógrafo Vitor Frias, entre outros identificados com o movimento SOS Porto Não! Favoráveis à construção do porto da DTA Engenharia, os técnicos contratados pela empresa e a tal claque comandada pelo poder público de Maricá.
No meio dessa polarização entre os dois lados, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da ALERJ, deputado André Lazaroni, muitas vezes teve que pedir silêncio ao plenário, entre aplausos, assovios e vaias. Quase no final, quando o promotor Marcus Leal teve concedida a palavra, revelou o seu espanto por ter sido convidado para uma audiência pública sobre os beachrocks, mas alí só se falava do porto de Jaconé, questionou ele. A DTA Engenharia distribuiu um catálogo as várias fases do projeto do Porto de Jaconé e as mudanças feitas recentemente, para se adequar às exigências do Ministério Público. Entre as alterações feitas, consta a retirada do Estaleiro e do Terminal de Carga Geral, que constavam do projeto original.
E propõe ainda a redução do porte do porto – em estruturas, operação, mão de obra e fluxos – além da redução de interferência em área com vegetação nativa de restinga.
Diante desse impasse, o deputado Lazaroni se comprometeu a realizar outra audiência pública em breve, focando desta vez nos beachrocks, nesta audiência pública só entraram como pedras no caminho.
Charles Darwin no meio da polêmica
O entrave a cerca dos “beachrocks”, formação rochosa, arenitos de praia, que se localizam na praia de Jaconé, próximo ao costão de Ponta Negra, se deve à descrição dessas pedras no diário de Charles Darwin, o maior cientista inglês do século 19, pai de Teoria da Evolução. Darwin teria registrado no seu “Diário de Beagle”, a existência dessas pedras na beira da praia de Jaconé, que ele avistou em sua passagem de Maricá para Saquarema, onde pernoitou numa venda às margens da lagoa de Saquarema, onde degustou uma sopa, provavelmente de peixes ou mariscos.
No entanto, os manuscritos do naturalista inglês – naquela ocasião ainda bem jovem – não especificam a identificação das pedras; somente faz uma referência. Em uma entrevista, o presidente da DTA Engenharia, João Acácio Neto, disse que os “beachrocks” são um factoide! Exagero, pois foram descritos também no inventário do Sambaqui da Beirada pelas arqueólogas Lina kneip e Filomena Crancio, que pesquisaram a região. Também não é o que pensam os cientistas e ambientalistas que lutam contra a construção do porto em Ponta Negra.
Um abaixo-assinado está circulando na internet apoiando o Projeto de Lei 2590, de 2017, que prevê o tombamento da área como “Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Rio de Janeiro”. Na verdade, os beachrocks são um patrimônio geológico e possuem um valor especial. Elas se formaram por cimentação de uma antiga praia entre 7 e 8 mil anos no passado. São cientificamente importantes e raros, pois foram utilizados pela população pré-histórica que habitou a região. Mais tarde os beachrocks foram descritos pelo grande naturalista inglês Charles Darwin, que ainda jovem passou por Maricá e Saquarema, vindo do Rio de Janeiro, indo até Cabo Frio, fazendo pesquisas. Daí a importância histórica, cultural, educativa e, consequentemente, turística.
Os beachrocks são considerados patrimônio geológico do tipo geomorfológico (pela bela paisagem), sedimentar (pelos diferentes tipos de rochas e estruturas presentes), paleoambiental (que indica o posicionamento da antiga praia), petrológico (pela presença de fragmentos de rocha subvulcânica, mostrando a existência destes tipos de rocha embaixo do mar), importância arqueológica (pela presença de amostras nos sambaquis de Saquarema) e importância para a História da Ciência, por ter sido descrito por Charles Darwin.
Pelo art. 216 da Constituição brasileira os sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico são patrimônio cultural do Brasil e são passíveis de tombamento (preservação), para as atuais e futuras gerações. A proteção do sítio natural dos beachrocks possui diversos pareceres favoráveis, destacando-se o tombamento proposto pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). Este patrimônio encontra-se seriamente ameaçado pelo projeto de construção do porto e está sendo protegido apenas pela Ação Civil Pública, em processo que está tramitando no Ministério Público do Rio de Janeiro
Um olhar ambiental sobre Maricá
Flávia Lanari*
A ecologia ou ambientalismo é a preservação de todos os ecossistemas existentes, aí incluídas fauna, flora, água, pedras, terra e ar. Queria propor uma grande reflexão a respeito deste movimento chamado ambiental. Ele busca a harmonia e o equilíbrio dos/entre entes da natureza, como citados acima. Também é um ente da natureza o dito “animal racional”, o ser humano. Ele é também o maior predador da Terra, pois consegue destruir o próprio ecossistema, colocando em risco o seu futuro. O verdadeiro ambientalismo é, em minha concepção, buscar a preservação e o equilíbrio entre todos estes atores, onde o ser humano deveria valer tanto quanto as rochas ou a vegetação. Mas o que temos vivido desde a era industrial, principalmente, é exatamente o contrário. Vindo para um tempo mais atual, estamos destruindo nosso habitat em nome do que foi nominado um dia como “capitalismo selvagem”. Os interesses econômicos em primeiríssimo lugar, em detrimento do meio ambiente, do social. Um exemplo bem claro disso é o modo como são tratados os corpos hídricos e terrestres. A terra desflorestada para o cultivo de uma única espécie em grandes extensões necessita dos mais variados venenos (agrotóxicos) para ser realizado. Um grande “pecado”, que começa no botar abaixo de matas deixando o solo vulnerável e exterminando nascentes, que mesmo que sobrevivessem seriam envenenadas, sem dó nem piedade. É o início de uma devastação mortal para todos os seres vivos. Buscando um exemplo mais próximo, vejo aqui em nosso município outra demonstração do risco de um desequilíbrio tão nefasto quanto. Em nome desse capitalismo selvagem e mortal, mas travestidas de bem social e desenvolvimento, estão as políticas públicas que incentivam uma avalanche de empreendimentos devastadores ao meio ambiente. A ganância dos grandes empresários e os interesses imediatistas da coisa pública de estada levam a uma aceitação da destruição do habitat maricaense. Porto, resort, grandes empreendimentos imobiliários, com todos os impactos ambientais inerentes a eles, são apoiados e incentivados a florescerem, em nome de um desenvolvimento ilusório. Poderíamos ter por aqui políticas públicas que levassem a um desenvolvimento realmente sustentável. Muito já se perdeu, como as fazendas, que poderiam atrair o turismo rural. O turismo de aventura, que tanto poderia acontecer também em propriedades rurais como em outros lugares. O turismo histórico, onde são buscados locais relevantes, como é o caso do tesouro chamado beachrocks, que acontecem de maneira aflorada em Jaconé, mas também de forma submersa em Itaipuaçu. É o turismo da natureza, com nosso grande leque de atrativos como praias, lagoas, pequenas cachoeiras, montanhas, restinga…
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Essa é uma indústria não poluente que pode gerar um número relevante de empregos, diretos e indiretos, muito superior aos empreendimentos onde a destruição desta mesma rica natureza é o que impera. Um município que quer se desenvolver, nem que seja às custas de nosso patrimônio natural, está andando na contra mão do desenvolvimento sustentável. Vivemos em uma urbe mal cheirosa, seja no centro ou nos bairros, onde os corpos hídricos se tornaram em corpos de esgoto que nos ameaçam a saúde. Perto deles falamos com nossos narizes tapados. Outros temerários os usam para banho, como nas lagoas, infelizmente em estado crítico, correndo o risco de contrair doenças. Se tivéssemos uma visão realmente ecológica, estaríamos procurando melhorar o nível de consciência dos munícipes e daqueles que detém as rédeas da situação: o poder público. Estaríamos tendo leis sendo adotadas para proteger esse bem natural que é de todos. Ao invés disso, o que vemos é a busca de “desenvolvimento” predatório, justificado pelo fato de que não se pode depender economicamente apenas dos royalties da indústria do petróleo. Então, incoerente e equivocadamente se investe em quê? Empreendimentos voltados para a indústria do petróleo e para outros fins que tentam se mostrar “ecologicamente corretos”, na prática irão fragmentar um ecossistema naturalmente frágil, o da restinga, que ocorre em todo nosso litoral e que é relevante e encontra-se numa área de proteção ambiental que não a protege! Afinal, o que queremos realmente para o meio ambiente que habitamos? Como disse no início deste longo texto-desabafo, acho que merece uma reflexão, uma grande e longa reflexão.
* Flávia Lanari é ambientalista e presidente da APALMA (Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá)