Não me lembro a primeira vez em que fui ao Museu Nacional, na Quinta da Boavista, se foi com meus pais ou com a escola pública que, naquela época, levava habitualmente seus alunos ao Museu do Índio, ali perto do Maracanã, entre outros passeios. Minha escola, na Tijuca, tinha todo tipo de gente, desde a classe média do bairro até os moradores das favelas mais próximas, principalmente do Morro da Formiga, do Andaraí e do Borel. Fui criada neste vale cercado de samba, de carnaval, de circo, cinemas na Praça Saens Peña e bailes no Clube Montanha, na Usina, na subida para a Floreta da Tijuca.
A primeira vez que estive no Museu Nacional, lá pelo final dos anos 1950, o que mais me chamou atenção foi a coleção egípcia, em especial a múmia por ser tão pequena e não corresponder ao tamanho de um adulto. Pensei que pudesse ter encolhido. Minha avó, uma paulista de 400 anos, da velha aristocracia do café, contava que lá no interior de Rio Claro, onde ela nasceu (e também o deputado Senhor da Constituinte de 1988 Ulysses Guimarães) um parente foi mordido por um marimbondo azul marinho, ficou muito doente, febre fortíssima, e na sua agonia começou a encolher. Encolheu tanto que ficou no tamanho de uma criança e foi enterrado num caixão pequeno. Vovó contava para os netos e netas de olhos esbugalhados, impressionados como eu estava ali diante da múmia.
Custo tão pequeno para a grandeza patrimonial
Pois foi assim que eu vi a múmia pela primeira vez, apavorada, mas embevecida. O dinossauro, a arte indígena e africana, tudo no museu despertava nossa curiosidade de crianças e adolescentes em formação, felizes com o passeio promovido pela escola ou pela família tijucana, que sempre culminava com uma corrida pela grama na frente do jardim do palácio ou na beira do lago onde fazíamos pic-nic. Meus pais eram cultos e valorizavam toda informação cultural que viesse agregar valores para suas filhas. O Museu Nacional, relativamente perto de nós, era portanto o foco mais próximo, além do Teatro Municipal e outros endereços famosos para onde nos deslocávamos de bonde no Rio de Janeiro, onde morávamos recém-chegados de São Paulo.
Ver o Museu Nacional ardendo em fogo foi um impacto tão grande que fiquei algumas horas assistindo tudo pela televisão, indo nos noticiários, de canal em canal, buscando alguma explicação para o absurdo da cena, como se não fosse verdade, um pesadelo, mentira! Foram 200 anos de uma existência heroica, desde sua fundação no governo de D. João VI, em 1808. Tudo – ou quase tudo – virou cinzas. O crânio da primeira mulher brasileira, Luzia, com mais de 1.200 anos, descoberta em Minas Gerais, desapareceu. O impressionante esqueleto do dinossauro e o da baleia também.
Documentos sobre os sambaquis, inclusive os de Saquarema, cuidadosamente catalogados e analisados pelas professoras Lina Kneip e Filomena Crancio, ninguém sabe, ninguém viu. Pouco restou. E pensar que o custo manutenção de todo esse patrimônio, verdadeiras relíquias, era menor do que o custo de um deputado ou senador em Brasília, ou de um juiz, desembargador, ministro… É de chorar! Não tem explicação que justifique este incêndio que reacendeu – infelizmente – parte de minha vida.