O dia 31 de março próximo passado poderia ter sido um dia como outro qualquer, mas o capitão reformado resolveu ressuscitá-lo provocando atritos, desgastes e discussões exacerbadas por todo o país, ao decidir realizar as “comemorações devidas” pelo 55º aniversário do golpe de 64, marcando o início de um ditadura militar que durou 21 anos, fechando o Congresso, censurando a imprensa e perseguindo opositores, deixando um saldo de 434 mortos e desaparecidos, além dos milhares de presos, torturados e exilados. São fatos do passado, que só devem ser lembrados para que não se repitam.
Em países que já enfrentaram tais fantasmas, exaltar ditaduras é crime e pode até dar cadeia. Por aqui, escolheu-se contemporizar com personagens que cultivam o autoritarismo. Um deles acaba de assumir a presidência pela via democrática que insiste em desprezar. A repercussão negativa tornou-se ainda maior pelo fato do capitão reformado ter usado a palavra “comemoração”, logo em seguida substituída por “rememoração”. A troca não serviu, absolutamente, para nada porque não muda o essencial. Ontem, hoje e amanhã, golpe militar e ditadura não são uma questão semântica, são substantivos da história.
DESAPONTAMENTO
Se diante da desilusão de contingentes de eleitores que votaram no capitão reformado mais para se livrar do PT de Lula do que propriamente em favor de suas propostas, surge um “desapontamento”, pois sinaliza a possibilidade de uma reflexão. Completando os 100 primeiros dias de governo do capitão reformado, já é possível constatar uma maneira de governar, no mínimo, heterodoxa, insuflada por embates permanentes com o uso das novas mídias sociais e baseada, fundamentalmente, em questões morais. Os pontos centrais mostram atitudes dúbias por parte do capitão reformado, cujo passado interfere nas supostas ideias autuais. O capitão reformado (inspirador da doutrina conhecida como “bolsonarismo”) manteve o figurino radical de direita que marcou sua atuação parlamentar. A propósito, vale lembrar que, como deputado federal, votou contra todas as propostas de reforma da previdência tentadas por governos anteriores.
NICHO DA DIREITA
O problema é que agora ele representa o país e não somente uma minoria do eleitorado fluminense. Além de desrespeitar as vítimas da ditadura, suas declarações comprometem a imagem do Brasil no exterior. O capitão reformado ainda não entendeu que os governos de direita de sua região querem ser democráticos e não defenderem um passado indefensável. Em suas recentes viagens, ele tem espalhado constrangimentos entre as autoridades do Continente, como ao homenagear os ditadores Alfredo Strossner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile. Sua ida ao Chile, em visita oficial, provocou intensos protestos, começando pelos presidentes da Câmara e do Senado, que se recusaram a encontrá-lo.
Mais do que ser presidente de todos os brasileiros, o capitão reformado parece pretender ser o representante de um nicho da direita internacional radicalizada, o que já lhe valeu uma queda acentuada de popularidade, principalmente na classe média, que foi fundamental para sua eleição.