A tradição da diplomacia brasileira até poderia indicar que o presidente Jair Bolsonaro utilizaria seu primeiro pronunciamento, na abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), para amenizar o choque com países europeus, principalmente a França, sobre a defesa da Amazônia. Mas a política externa do atual governo, definitivamente, rompeu com a prudência do passado.
O discurso de Bolsonaro foi surpreendente, não pelo que falou, pois já não há novidade naquilo que ele toda hora repete aqui e no exterior. O surpreendente é que se esperava uma retórica pacificadora, ao contrário do discurso agressivo, defendendo posições anacrônicas em política externa que se caracteriza por um radicalismo que só leva ao isolamento. Além de agressivo na abordagem, o pronunciamento de Bolsonaro foi carregado de ideologia em geral.
EQUÍVOCOS
Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas como nas democracias ocidentais frustrou-se, até porque o presidente e seus assessores, oficiais ou informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas globalista, como gostam de criticar.
Bolsonaro erra também quando diz que representa o pensamento da população brasileira. Ele representa o Brasil, pois foi eleito presidente, mas muito do que diz não tem a concordância da maioria da sociedade brasileira. Ainda bem!!! O presidente, como já fez várias vezes, preferiu falar ao bolsonarismo radical, optando assim por atender seu público interno. Mais uma vez, Bolsonaro adotou aquele estilo de campanha política.
Perdeu a oportunidade de, por exemplo, facilitar a colaboração externa na preservação da Amazônia, o que deve ter agradado muito aos grupos que vivem da exploração predatória da região. Por mais que o presidente tenha assumido o “compromisso solene” de defender a Amazônia. É importante registrar que, segundo Bolsonaro, a floresta amazônica está “praticamente intocada”, contrariando o que mostra o monitoramento dos satélites. Para ele, a floresta amazônica não está sendo desmatada, nem consumida pelo fogo.
EXCLUDÊNCIA
Representando Portugal na Assembleia Geral da ONU, o presidente Marcelo Souza fez um discurso incisivo contra o nacional-populismo, a intolerância e a xenofobia. Sem citar nomes, criticou líderes que se dizem patriotas e fingem ignorar desafios urgentes como as mudanças climáticas e a crise migratória. Conhecido como professor Marcelo, o presidente de Portugal condenou também a tendência de não aceitar os outros, fazendo de conta que o resto do mundo não presta. Bolsonaro, por exemplo, tirando Trump, presidente dos Estados Unidos, não presta: só tem socialistas, comunistas e oportunistas interessados nas riquezas do Brasil.
O presidente brasileiro poderia ter levado sua assertividade ao porto seguro da conciliação e do entendimento. Ao contrário, reafirmou os princípios mais retrógrados, inclusive sobre os valores morais e religiosos, num cenário inapropriado, mergulhou na antiga Guerra Fria, além de dispensar o apoio da Europa com críticas veladas ao presidente da França, Emannuel Macron, e à chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
Reafirmar a soberania nacional sobre a Amazônia, com ataques a países que deveríamos querer como aliados, pode alegrar seu público interno bolsonarista, de carteirinha, e aquela ala mais radical das Forças Armadas, porém só isso não leva a lugar algum. Dessa forma só conseguiremos ficar mais isolados neste mundo, necessariamente, cada vez mais conectado.