Silênio Vignoli
Não deixa de ser preocupante quando um país passa a admitir a possibilidade de retornar a uma ditadura militar a que foi submetido por 21 anos. Ainda mais num país em que o governo é presidido por quem defende, há anos, que não houve ditadura, que esse período foi o melhor de nossa história, e que as medidas repressivas deveriam ter sido mais fortes, negando ou minimizando as torturas praticadas nas delegacias e nos quartéis.
Cada vez que o AI-5 (Ato Institucional nº5, editado pela ditadura miliar em 1968) é lembrado, seja porque motivo for, desperta a sensação de que algo existe por trás desta recordação. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não pediu a volta do AI-5 mas, como fez o deputado federal Eduardo Bolsonaro, classificou o ato de exceção como uma possível resposta do governo contra eventual radicalização dos movimentos de esquerda.
CONTER IMPULSOS
Diante da grande repercussão negativa do descontrole verbal de Guedes – que precisa conter os improvisados impulsos sobre assuntos fora da área em que trafega com desenvoltura, diga-se de passagem – o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi direto ao ponto: “então, se tiver manifestação de rua, a gente fecha as instituições democráticas? Caso haja atos de vandalismo, como os já ocorridos no Rio e em São Paulo, na esteira das manifestações em meados de 2013, fecha-se o Congresso e cessam-se os direitos constitucionais como habeas corpus, liberdade de expressão, de reunião, de imprensa?” Não faz o menor sentido, já tendo o país rastejado 31 anos consecutivos na constitucionalidade democrática, o mais longo período na República…
O Ato Institucional n05, de 13 de dezembro de 1968, é de outro tempo, de um país e um mundo diferentes. Mas ideologias autoritárias – à extrema direita populista, caso de Bolsonaro, e à esquerda, de Lula – estão aí na disputa por votos, usando o devido espaço que a democracia abre para se fazer política de forma legítima.
NUNCA ESCONDEU
O ministro Paulo Guedes pode ser acusado de muitas coisas, menos de esconder o que pensa. Agora mesmo, voltou a mostrar seu desapego pela democracia, banalizando a ameaça de um novo AI-5 feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?” – disse. Questionado por uma repórter sobre a gravidade da declaração, ele adotou um tom de deboche: “Mesmo que a esquerda pegue em armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria um novo AI-5. Isso é inconcebível, não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?
Guedes se referiu à ameaça do filho 03 do presidente como uma resposta a discursos do ex-presidente Lula. Trata-se de um falso argumento, porque o deputado Eduardo Bolsonaro lançou a carta prenunciando um novo AI-5 dez dias antes do petista voltar ao palanque. Guedes também apelou ao vislumbrar um cenário de insurreição nas ruas brasileiras. Até aqui, o levante só existe nas entrelinhas dos discursos do governo, que parece muito preocupado na busca de um pretexto para testar medidas autoritárias.
AUTORITARISMO
Não é demais lembrar que Guedes já havia flertado com o autoritarismo, quando defendeu uma “prensa” no Congresso para acelerar a reforma da Previdência. O texto foi aprovado, mas o ministro ainda parece ver a democracia como um entrave a sua agenda ultraliberal. Não achar natural as ameaças do clã Bolsonaro, Guedes deixa transparecer que não se incomodaria com a volta dos anos de chumbo. Aliás, isto não surpreende: ele se mudou para o Chile durante o regime de Pinochet, a convite de uma universidade sob intervenção militar. Questionado recentemente, respondeu: “Eu sabia que lá tinha uma ditadura, mas pra mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual”.