Silênio Vignoli
Tudo começou no domingo, 19 de abril, numa espécie de teste para avaliar até onde poderia avançar numa ação contra a democracia. Não foi por acaso que ocorreu diante do Quartel General do Exército, em Brasília, com o presidente Jair Bolsonaro à frente de uma aglomeração de apoiadores fanáticos, golpistas, que, com gritos e faixas, pediam a intervenção militar, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e até, pasmem, a volta do AI-5.
No seu discurso, em tom de campanha, Bolsonaro disse coisas que não podemos esquecer porque não são arroubos transitórios, são ideias, algumas permanentemente repetititvas: “Acabou a época da patifaria. E agora é o povo no poder. Mais do que direito, vocês têm obrigação de lutar (…), contem com seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para manter a nossa democracia (…) Nós não queremos negociar nada, nós queremos é ação pelo Brasil”. O presidente chama estas explosões de “desabafos”, apesar da notória expressão temperamental do presidente transmitir muita irritabilidade. E acha que, para neutralizar essas explosões, basta pedir desculpas que às vezes acabam com a agressiva indagação: “E daí”?
APELO AO CENTRÃO
O Brasil entrou na pandemia do coronavírus com um déficit anual estimado em R$ 124 bilhões, mas a crise deve multiplicá-lo por cinco vezes ou até mais. Assim, não há espaço para aumento dos gastos. Bolsonaro, no entando, está preocupado com os resultados e mostra, à flor da pele, temores políticos e eleitorais. Nesse clima, tenta apressar o fim do isolamento social, a qualquer custo, para a economia experimentar crescimento ainda este ano e, principalmente, até 2022, quando ocorrerá a eleição presidencial. Por isso, o “Posto Ipiranga”, apelido do ministro da Economia, Paulo Guedes, continuará sem vida fácil, inclusive, também devido à aproximação de Bolsonaro com aquela turma do chamado “Centrão”: Waldemar Costa Neto (PL), Ciro Nogueira (PP), Roberto Jefferson (PTB), entre outros que odeiam governos austeros. É por meio deles que Bolsonaro tentará uma blindagem contra qualquer tentativa de um pedido de impeachment no Congresso.
VELHA POLÍTICA
Os famosos “apoiadores” do presidente que comandam as manifestações bolsonaristas pela volta da ditadura e do AI-5 ainda não conseguiram arranjar uma desculpa para justificar o escandaloso namoro de Bolsonaro com os partidos do Centrão (PP, PL, PSD, PTB e Republicanos), em suma, com todos aqueles que ele dizia abominar por praticarem a “velha política”, fisiológica, do “toma lá dá cá”.
Como Bolsonaro cansou de repetir na campanha eleitoral, ele representava a “nova política”, que vinha para mudar o que está em vigor. Como, então, explicar que de um dia para o outro ele transformasse em “amigos de infância e conselheiros” personagens tão desgastados politicamente como Waldemar Costa Neto, Ciro Nogueira, Arthur Lira e Roberto Jefferson?
IMPEACHMENT 45%
Uma recente pesquisa DataFolha mostra que 17% dos eleitores que votaram em Bolsonaro, no segundo turno, estão arrependidos, o que quer dizer que cerca de 10 milhões de pessoas o abandonaram, fazendo com que tivesse hoje, teoricamente, menos votos do que obteve no primeiro turno. Isto não quer dizer, porém, que todos os que não se declararam arrependidos estejam contentes com o governo Bolsonaro. Estes, certamente, não se arrependeram porque consideram que o principal papel de seus votos era derrotar o PT de Lula.
Por outro lado, a pesquisa mostra que Bolsonaro mantém um apoio de 33% da população, algo em torno de 50 milhões, entre os 150 milhões de eleitores, o mesmo índice que o PT costumava ter antes da chegada ao poder com Lula e Dilma, igual ao percentual de votos que o candidato petista, Fernando Haddad, obteve no primeiro turno. Uma outra pesquisa, imediatamente subsequente, também DataFolha, indica que 45% dos entrevistados são favoráveis ao impeachment do presidente Bolsonaro.