Silênio Vignoli
Em 2005, o assessor parlamentar, José Guimarães, hoje deputado federal (PT-CE), foi o primeiro político preso com dinheiro na cueca. O primeiro mandato de Lula passava da metade e Guimarães, então deputado estadual, ainda não era o líder do PT na Câmara. Foi um grandioso escândalo, com repercussão até no exterior.
Agora, ninguém imaginava, a cena se repetiu com um senador, Chico Rodrigues (DEM-Roraima), flagrado na mesma situação pela Polícia Federal, em Boavista, por uma das várias operações lançadas Brasil afora para investigar o desvio de dinheiro público destinado ao socorro das vítimas da Covid-19.
CONSTRANGEDOR
PARA O PRESIDENTE
Mas, desta vez, o impacto dos estilhaços sobre a imagem do presidente Bolsonaro foi imediato. Chico Rodrigues era vice-líder do governo no Senado e tinha grande proximidade com Bolsonaro, tanto que emprega em seu gabinete Leo Índio, primo dos filhos do presidente.
Num vídeo em que confraterniza com ele, Bolsonaro diz que os 20 anos de amizade entre os dois são “quase uma união estável”. O afago é correspondido por Chico Rodrigues com elogios.
No seu entender, Bolsonaro na presidência simboliza “princípios e valores da família e a retomada da moralidade”. Bota moralidade nisso… Aliás, diga-se de passagem, haja cueca. Chega a ser constrangedor demais para o presidente.
A BRAVATA
DA VÉSPERA
Só que o descaramento de um político do círculo bolsonarista ocorre pouco tempo depois de Bolsonaro ter soltado a bravata de que “acabou com a Lava-Jato por não haver mais corrupção no governo”. Por uma dessas coincidências da vida política brasileira, a bravata aconteceu, exatamente, na véspera da descoberta do dinheiro na cueca do então vice-líder do governo Bolsonaro.
A diferença da primeira cueca monetária é que aquela, em 2005, foi de um assessor parlamentar do PT e, agora, é do próprio senador governista e os maços foram acomodados nas nádegas. Nem Rodrigues faz parte do Executivo, nem Bolsonaro pode acabar com a Lava-Jato. Mas o flagrante de um político da base do presidente, tão ligado a ele, põe novamente em xeque a já exígua credibilidade das promessas bolsonaristas de combater os assaltos ao contribuinte.
REAVALIAR O
FISIOLOGISMO
Não bastassem as dificuldades de filhos e amigos do presidente com o Ministério Público e a Justiça, esse novo escândalo demonstra o risco envolvido na aproximação entre Bolsonaro e o Centrão. Buscar sustentação parlamentar é legítmo e natural numa democracia. O perigo é quando a moeda usada na navegação transborda o campo da ética.
A propósito, Bolsonaro deveria aproveitar o caso da cueca do senador Chico Rodrigues para reavaliar sua aliança com o fisiologismo.