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A Luta pela História Quilombola da Região do Lagos

Escravos trabalhando num moinho de cana de açúcar, cena comum no século XVIII (fotos: Internet)

Pierre de Cristo*

Quilombo é um assunto que historicamente é bem distante de grande parte da população da Região do Lagos, e quando nos referimos a esse termo quilombo, que aliás é um termo originário do idioma africano “quimbunco/quimbundo”, que é muito utilizada na língua bantu, povos que se localizam nas regiões sul, sudoeste e sudeste da África, e que inicialmente tem na origem da palavra o significado de (acampamento/fortaleza), e que os portugueses começaram a denominar quilombo todo acampamento de negros fugitivos, ou assentados. Um ponto importante é saber que o apagamento sobre os quilombolas é proposital; esses não são lembrados e nem pesquisados em nossa região, mas eles existem, e estão vivos entre nós, mesmo muitos deles ainda em condições sociais arcaicas, pois o poder público permanece cego quando se trata de políticas públicas para os remanescentes de povos africanos que aqui chegaram escravizados e ainda permanecem em luta diária por seus direitos. A Região dos Lagos tem um histórico gigante sobre a construção de aquilombamento africano, e neste sentido precisamos entender que a chamada Grande Cabo Frio, que se formou Capitania no século XVII, e que tinha uma extensão geográfica que se compreendia entre o Rio Macaé e Ponta Negra, facilitou muito a introdução do sistema escravista, pois eram incontáveis os engenhos e fazendas nessa região para produção agrícola de sustentação colonial e do Império a época.

A partir deste conceito de produção agrícola que exigia mão de obra que a princípio era indígena, e com o tempo, através da negativa de escravização de grande parte das tribos que estavam localizadas no litoral de Cabo Frio, e que culminou em vários massacres, entre eles o mais covarde e hediondo que foi o massacre da Confederação dos Tamoios, e a partir daí com a chamada “pacificação” entre os indígenas pelos portugueses, começa um novo processo de importação de seres humanos oriundos do Continente Africano que já ocorrera deste 1441. Esses escravos foram enviados para fomentar a produção dos engenhos de açúcar, de álcool, as casas de farinha, as lavouras de café, a criação de gado, e principalmente nas salinas da região, e eram esses também responsáveis pela manutenção das casas e igrejas cuidando dos bens domésticos fazendo inúmeros afazeres. A escravidão foi muito forte em nossa região, em todos os processos de colonização estavam recheados de africanos escravizados, desde a simples ordenha do gado a construção de monumentos que hoje temos como históricos em nossas cidades, esses permeavam entre as mãos indígenas e africanas, até o escravismo africano se tornar um único ponto de mão de obra em todo o Brasil e na região não foi diferente.

QUILOMBO DE BACAXÁ

A formação quilombola na nossa região é um processo de várias ações alternando entre pacíficas e turbulentas que montaram grande parte do sistema quilombola que conhecemos hoje. Podemos citar o quilombo de Bacaxá, que foi o mais ativo quilombo pela luta e manutenção de seus direitos, fazendo com que se desencadeasse através dele a cassação de todos os quilombos rebeldes que existiam em todo litoral da nossa região decretada pelo Governador Vahia Monteiro no início do século XVIII segundo decretos de cassação de escravos fugidos, legalizando a função de capitães do mato. Nesse sentido, o quilombo de Bacaxá tem uma importância histórica gigante para nossa região. Por sua luta e resistência contra o sistema de morte imposta pela manutenção do sistema Imperial, o quilombo de Bacaxá teve sua formação de forma ímpar, pois era talvez o único que teve sua formação oriunda de fugas de fazendas e engenhos da região, bem diferente dos demais quilombos que conhecemos. De uma forma geográfica os quilombos foram divididos com os desmembramentos das cidades ao longo do tempo, mesmo sendo a grande maioria destes africanos que desembarcaram na região oriundos da mesma região como Cabinda por exemplo. Temos o quilombo de Baia Formosa em Búzios, que é parte ancestral do quilombo de Botafogo em Cabo Frio, assim como o quilombo da Rasa que também tem laços ancestrais com outros quilombos.

O quilombo da Caveira em São Pedro da Aldeia era parte do quilombo Botafogo até ocorrer o desmembramento de São Pedro da Aldeia da cidade de Cabo Frio. Neste sentido, através de pesquisas, percebe-se que a maioria dos quilombos da nossa região tem sua formação originária mais forte em assentamentos no pós abolição, sendo que os quilombos que estavam em Cabo Frio, Búzios e São Pedro da Aldeia eram oriundos de fazendas satélites que pertenciam á matriz, a Fazenda de Campos Novos, e assim começaram as comunidades quilombolas dentro destes espaços rurais criando ali seus núcleos familiares. Hoje ainda, através de muita luta e resistência, temos os quilombos de Baia Formosa, Rasa e Maria Joaquina** em Búzios, Maria Romana, Preto Forro***, Fazenda Espirito Santo e Botafogo em Cabo Frio, Sobara e Prodígio em Araruama, Caveira em São Pedro da Aldeia, além é claro dos que foram extintos como Papicu em Iguaba, Abissínia em Cabo Frio e Bacaxá em Saquarema que têm sua certidão de nascimento (mapa de Manuel Vieira Leão, 1767), como sendo parte de Saquarema, desmitificando que esse quilombo pertencia a Rio Bonito.

RESGATE DAS ORIGENS

Diante disso, é urgente que o Poder Público invista em trabalhos para levantar pesquisas que tragam a história destas comunidades quilombolas, que foram o mecanismo humano na formação e construção de todas as cidades da Região dos Lagos. Todos esses remanescentes de africanos, que aqui foram escravizados, humilhados, açoitados, e aqueles que foram mortos antes e depois que chegaram aqui, é preciso que se faça um resgate sobre as origens dos que remanesceram e resistiram até os dias atuais com muita bravura. Que pesquisadores(as) como a brilhante Dulce Tupy, que leva adiante o belíssimo trabalho de resgatar historicamente o Quilombo de Bacaxá, e bem como outros historiadores(as) e pesquisadores(as) possam ter um olhar especificamente voltado para essas comunidades quilombolas que precisam ser vistas, precisam ser lembradas de forma a produzir trabalhos para dar continuidade na manutenção de suas crenças, culturas e histórias. Existe muito a se fazer por esse povo que ainda vive em construção, que ainda luta por uma liberdade, pois essas comunidades quilombolas saíram de uma escravidão antes mercantilista para viverem em uma escravidão social.

*Pierre de Cristo – Historiador e Antropólogo, estuda e pesquisa escravidão na Região dos Lagos desde 2015.
**Quilombo de Maria Joaquina está em disputa judicial entre Armação dos Búzios e Cabo Frio, para saber a qual dos dois municípios ele pertence.
*** Até os dias atuais, apenas o Quilombo de Preto Forro e Baía Formosa possuem a titularidade definitiva de suas terras dada pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

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