Cidade Comunidade Cultura Educação Homenagem Últimas Notícias

A Questão Indígena Brasileira

Visto minha própria pele sem medo

A primeira escritora indígena a ter seus livros publicados no Brasil, Eliane Potiguara está morando em Jaconé, Saquarema, com grande parte da família (Fotos: Arquivo Eliane Potiguara)

Um a visão aprofundada em anos de pesquisa, viagens nacionais e internacionais e militância ativa são os componentes que formam o conteúdo do mais novo livro da primeira escritora indígena brasileira: Eliane Potiguara. Com o subtítulo “Visto minha própria pele sem medo”, o livro “Questão Indígena Brasileira”, lançado recentemente pela Editora de Cultura, é uma obra desta autora singular, dedicado a suas netas Nathália e Taiane. Eliane mora em Jaconé, Saquarema-RJ.

Com uma força verbal estonteante, Eliane inicia sua prosa mesclada com poesia, a partir de uma máxima: “Ler é libertar-se”. Claro que sim. E escrever é abrir caminho num mundo cheio de armadilhas fatais. O segundo capítulo é um poema, uma homenagem póstuma feita por essa mulher reconstruída, depois de tanto tempo, após anos de andanças por vários países e continentes.

O livro mais recente da autora é um balanço da questão indígena do seu ponto de vista original

O terceiro capítulo começa na década de 80, Brasil pós-ditadura militar, quando muitos indígenas foram brutalmente assassinados. Lembrar a colonização européia, desde o século XVI, que promoveu “um genocídio devastador” e “trouxe doenças mortais como a varíola, escarlatina, sarampo, gripe, varicela e tuberculose”. De 1500, quando havia 1.700 povos indígenas até 1950 “3 milhões de indígenas foram exterminados, vítimas da violência” registra Eliane. Hoje existem 305 povos indígenas no Brasil, sendo 77% na Amazonia Legal.

A LUTA INDÍGENA

Eliane aborda a criação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em 1967, subistituindo a antiga Fundação Nacional do Índio, dirigida por militares. No livro, fala da Constituição de 1988, quando os povos indígenas tiveram seus direitos assegurados. Porém somente em 2023, com a volta de Lula à presidência, em seu terceiro mandato, “foi escolhida pela primeira vez uma mulher indígena para presidir a Funai, Dra. Joênia Wapixana, primeira advogada indígena no Brasil. Outro marco foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara, formada em letras, enfermagem e educação especial.

Eliane Potiguara com seu sorriso enigmático

Nações indígenas do mundo inteiro já atuavam com apoio da ONU (Organização das Nações Indígenas) em Genebra, na Suiça, realizando um trabalho que durou mais de 30 anos para gerar, enfim, a “Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas”. O conteúdo desta Declaração está disponível no livro de Eliane Potiguara, que participou anos no Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.

“Os povos indígenas têm o direito de promover, deselvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando existam, costumes ou sistemas jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos”, diz o artigo 34 da Declaração, um instrumento legal de combate ao racismo, à discriminação e à violência cometidos contra os povos indígenas.

ÁGUA E SANGUE

Eliane aborda também a questão da água, “fonte não só da vida, mas também de cura” e cita mártires indígenas, como Marçal Tupã-Y, Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, assassinado por latifundiários, lembra o Massacre dos Tikuna, no Amazonas e dos Yanomami, perpetrado por garimpeiros, além da morte brutal do Pataxó Galdino, queimado vivo em Brasília. E fala não ao Marco Temporal a partir de seu lugar de fala!

Eliane com a presidenta Dilma Rousseff recebendo a Ordem do Mérito Cultural, em Brasília

“A ancestralidade é um veículo da História” sintetiza a escritora Potiguara, que participou da Aldeia Carioca, na Rio-92, ao lado de grandes líderes indígenas: Marcos Terena, Idjarruri Karajá, Megaron Txukcarramãe, Álvaro Tucano, Anahi kaiowá e outros. Documento referencial do desdobramento da Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, de 1992, a “Carta da Terra” continua válida, desde sua conclusão e divulgação no ano 2000.

Eliane resgata ainda sua avó Maria de Lourdes que fugiu com a família para o Rio de Janeiro, após o sequestro e desaparecimento de seu pai, Chico Solón, em 1920, na Paraíba. Verdadeira Guardiã da Terra, enaltece a “bancada do cocar”, parlamentares indígenas eleitos para o Congresso Nacional, e relembra a criação pioneira do Grumin (Grupo Mulher-Educação Indígena) fundado por ela em 1988, que lançou uma cartilha – A terra é mãe do Índio – e o Jornal do Grumin, tendo realizado vários rventos.

PELA LIBERTAÇÃO DOS POVOS

O último capítulo do livro tem um texto sobre teatro e arte de José Ribamar Mitoso, professor da Universidade Federal do Amazonas, autor da peça teatral Cunhã, que saiu do palco colonial grego-latino e entrou num igarapé, no Fórum Social Pan-Amazônico, em 2010. No final, como um retorno a si mesma, Eliane Potiguara publica sua “Oração pela Libertação dos Povos Indígenas”, seu primeiro poema publicado em um poster verde, numa cachoeira.

Eliane recebendo o título de Dra. Honoris Causa da UFRJ, no Rio de Janeiro

Com orelhas escritas pelo escritor, historiador, ativista e ambientalista Edson Kayapó, Eliane Potiguara é uma mulher essencial na cultura do Brasil contemporâneo. Ao contar histórias e assim vestir a sua pele sem medo, com diz o subtítulo do livro Questão Indígena Brasileira, ela se coloca na vanguarda da luta popular com um estilo próprio e leve, mas revelando seus caminhos com sabedoria e profundidade. É como diz o escriltor Caio Riter, na contracapa do livro: “Potiguara revela o processo de exploração dos povos originários, além de destacar a relação profunda existente entre indígenas e a natureza, grande mãe”.

Eliane Potiguara e sua filha Tajira na casa da jornalista Dulce Tupy, em Saquarema (Foto: Dulce Tupy)

Similar Posts